Editorial

A importância dos Guardiões da Enseada estarem em Taiji

Comentário pelo Capitão Paul Watson

 

Nos últimos dias, algumas vozes têm pedido que os Guardiões da Enseada da Sea Shepherd se retirem da Enseada, em Taiji, no Japão. Esta pressão é causada por acharem que os japoneses devem abordar esta questão, e só os japoneses. Alguns até acusaram os Guardiões da Enseada de serem “valentões”.

Como prova disso, uma pessoa me mandou uma foto da Guardiã da Enseada, Elora West, alegando que ela “assediou moralmente” um pescador. Eu realmente tive que rir. Será que realmente querem nos fazer acreditar que uma estudante de 17 anos intimidaria um psicopata, serial killer, de golfinhos e o deixaria chorando, como uma espécie de vítima inocente?

Se isso for verdade, eu acho que precisamos de uma brigada de estudantes para enfrentá-los cara a cara. A verdade é que nenhum Guardião da Enseada jamais agrediu ou ameaçou um pescador. Os pescadores é que agrediram e ameaçaram os Guardiões da Enseada. E sim, algumas pessoas se opõem a nós, nos chamando de sociopatas.

A Sea Shepherd não é anti-japonesa. Estamos lutando contra a matança de golfinhos, e ao longo dos anos temos confrontado assassinos de golfinhos no Japão, nos EUA, na Costa Rica, na Venezuela, no Brasil e nas Ilhas Faroé. Nós não discriminamos quem opomos. Vemos o arpão, a faca, o rifle e a rede, não vemos a nacionalidade. Lutamos contra o Sea World, e temos levado assassinos de golfinhos para julgamento no Brasil.

Na verdade, a Sea Shepherd nem sequer reconhece a nacionalidades dessas pessoas. Vemos apenas terráqueos, e os terráqueos têm muitas espécies. Os Guardiões da Enseada da Sea Shepherd não são profissionais pagos. Eles são pessoas comuns, de todas as camadas sociais, de todo o planeta, incluindo o Japão, e eles vão para Taiji, por conta própria, porque eles são levados a fazer isso, por compaixão. E por amor. Algumas pessoas querem nos fazer crer que a compaixão é o crime, e que os assassinos são as vítimas. Eu aprecio que o Dolphin Project queira um envolvimento mais japonês. A Sea Shepherd Conservation Society quer a mesma coisa.

Uma das críticas é que a Sea Shepherd é uma organização “ocidental”, e não tem o direito de intervir. Em primeiro lugar, a Sea Shepherd não é uma organização ocidental, é uma organização global, com entidades ativas independentes, registradas em países de todos os continentes. Estamos na China, Cingapura, Índia, África do Sul, África Ocidental, em toda a Europa e na América do Norte, Sul e Central. Atuamos desde a Antártida até o Ártico, e os pontos entre eles.

Em segundo lugar, os golfinhos não pertencem ao povo japonês . Eles não pertencem a qualquer grupo de pessoas. Eles fazem parte da Nação dos Cetáceos. Eles pertencem a eles, e eles têm o direito de existir, independente da humanidade, têm o direito de existir sem serem molestados por qualquer comunidade humana. De acordo com a Carta Mundial das Nações Unidas para a Natureza, todas as pessoas têm a responsabilidade de defender a lei de conservação internacional e defender a natureza. Em terceiro lugar, uma presença organizada e liderada pelos japoneses em Taiji ainda não existe. Os únicos grupos, que criticam nossa abordagem “ocidental”, são outras organizações “ocidentais”.

Em quarto lugar, antes do envolvimento da Sea Shepherd, a matança de golfinhos em Taiji era praticamente desconhecida no mundo, e especialmente no Japão. Isso certamente não é mais o caso. Finalmente, toda a mudança política ambiental, na história japonesa, surgiu por causa de gaiatsu, que significa “pressão estrangeira”. O Japão parou de usar redes de emalhar porque nós expusemos o abuso de redes de deriva, e esta pressão externa os convenceu a desistir de continuar a usá-las.

Ainda não existe um movimento bem-sucedido no Japão para enfrentar o desastre de Fukashima, ainda que fomos informados de que isso também só pode ser tratado por oposição interna, apesar do fato de que isso está afetando a saúde e o futuro do resto do mundo. O programa Guardiões da Enseada foi criado para fazer algo, que ninguém nunca tinha feito antes. Para estar em Taiji, dia após dia, seis meses por ano, para testemunhar, documentar e enfrentar os crimes contra a natureza. E a matança dos golfinhos, em Taiji, é um crime terrível contra a natureza. Nós equiparamos a morte de um golfinho com um assassinato. Este é um ser altamente inteligente, socialmente complexo, extremamente sensível, com uma capacidade de comunicação sofisticada e habilidades cognitivas reconhecidas. Eles têm cérebros maiores e mais complexos do que o nosso.

O abate de um golfinho é um assassinato. Estes são seres autoconscientes que nunca prejudicaram os seres humanas e de fato, muitas vidas humanas foram salvas por golfinhos, fato documentado. São seres que têm habilidades linguísticas sofisticadas, altamente sensíveis, e podem sofrer tanto física como emocionalmente. As pessoas que não foram para Taiji ou não viram a matança de golfinhos não têm ideia de como isso é traumático, como emocionalmente é desgastante testemunhar e documentar tal horror. Sim, é fácil julgar quando você não ouve os gritos, ou vê e sente o cheiro do sangue. Os Guardiões da Enseada precisam de apoio, não de condenação. A Sea Shepherd tem membros japoneses, temos tripulantes japoneses, e eles são excepcionalmente corajosos, porque se você levantar a sua voz como um cidadão japonês, no Japão, você literalmente será perseguido, sua família será perseguida. O que a Sea Shepherd e os Guardiões da Enseada têm realizado?

Em 2003, expomos essa atrocidade para o mundo, levando o vídeo para a CNN e as fotos para as primeiras páginas dos jornais em todo o mundo. Naquele mesmo ano, cortamos as redes e libertamos 15 golfinhos, que morreriam na manhã seguinte. Ric O’Barry, que era um membro da nossa equipe de 2003, em Taiji, deixou o Conselho Consultivo da Sea Shepherd e voltou para Taiji por conta própria, porque ele disse que cortar as redes e libertar os golfinhos era ilegal, e não era o caminho a ser seguido. Ele estava certo, nossa equipe foi presa e multada, e embora nós achamos que a vida de 15 golfinhos valeu este custo, sabíamos que não podíamos continuar a libertar os golfinhos porque não era prático fazer isso.

A organização Blackfish tentou libertar golfinhos alguns anos atrás, mas não conseguiu fazê-lo, com a infeliz consequência de que a segurança aumentou muito em Taiji. Taiji, por estar no Japão e ser fortemente policiada, nos proporciona desafios únicos, e a única estratégia que vimos que tinha uma possibilidade de sucesso foi o programa Guardião da Enseada. Assim, lançamos a Operação Paciência Infinita. Sabíamos que não venceríamos durante a noite.

Os Guardiões da Enseada, levaram em conta o parecer de Ric O’Barry, que tomou a decisão de respeitar a lei japonesa e realizar uma intervenção legal não-violenta. A Sea Shepherd participou da elaboração do documentário The Cove, vencedor do Oscar, que despertou a atenção do mundo para a matança de golfinhos, de forma única. No filme, sou entrevistado, e nossa equipe é mostrada libertando os golfinhos.

E a última razão que faz com que seja importante os Guardiões da Enseada estarem em Taiji é significativa: os números de mortes anuais foram reduzidos, desde que o programa Guardião da Enseada foi iniciado. Por quê? Por causa de todas as medidas que os pescadores devem tomar para se manter longe das câmeras. Os custos também aumentaram, especialmente os custos de policiamento.

Os Guardiões da Enseada também acompanham e controlam a remoção e o transporte dos golfinhos para o cativeiro. Cada ação está documentada. Remova os Guardiões da Enseada, e Taiji ficará longe dos olhos do mundo. Os Guardiões da Enseada estão lá por conta própria, bancando seus custos, para ter certeza de que os olhos do mundo nunca deixem a Enseada.

E os Guardiões da Enseada compartilharam a tragédia com os cidadãos japoneses. A equipe Guardiões da Enseada, sob a liderança de Scott West, estava investigando a matança de golfinhos quando veio o tsunami. Ele e sua equipe escaparam com vida, e trabalharam para salvar as vidas dos cidadãos japoneses. Eles, mais do que qualquer pessoa não-japonesa, compreenderam a tragédia que atingiu o Japão. Por mais de 24 horas pensamos que os tínhamos perdido naquele dilúvio horrível. Um crítico em Taiji repreendeu um dos Guardiões da Enseada no outro dia, dizendo: “Por que você está tirando fotos, para conseguir dinheiro”? Afirmação injusta e insensível. Ele estava lá por conta própria, dedicando seu tempo e energia. A pessoa que fez a crítica estava lá apenas por alguns dias, e ainda não tinha visto um único golfinho morto. Ele não tinha ideia de que a dor emocional dos Guardiões da Enseada perduram por muitos dias.

A Sea Shepherd não envia e-mails em massa com fotos sangrentas, pedindo dinheiro, nem usamos nossos fundos arrecadados em anúncios ou comerciais. Nós não somos esse tipo de organização. Somos uma organização relativamente pequena, mas o mais importante é que não gastamos grandes quantias de dinheiro em promoção e recrutamento de associados. Temos crescido lentamente ao longo dos anos, de boca em boca, através de visitas aos nossos navios, atendendo pessoas em campanhas, ou através de pessoas que nos assistem em Whale Wars – Defensores de Baleias, ou na mídia. É por isso que temos uma alta classificação com a Charity Navigator, a agência que monitora organizações de caridade.

A Sea Shepherd está disposta a trabalhar com todas organizações que trabalham para impedir a matança de golfinhos e apoiamos os esforços do Project Dolphin, Save Japan’s Dolphins e Surfer’s for Cetaceans. É lamentável que as grandes organizações não estejam envolvidas.

E a Sea Shepherd tem o maior apreço pelo Project Dolphin e o trabalho de Ric O’Barry. Conheço Ric pessoalmente, desde 1976, quando ele esteve no Japão com meus amigos David Garrick e Taeko Miwa. Tenho participado de conferências e reuniões com ele. Nós tivemos nossas desavenças, mas aquelas discordância não foram amargas. Desentendimentos sobre táticas e estratégias, simplesmente isso, e nunca foi pessoal ou antagônico. Ric é um amigo e um aliado, e ele é um homem muito compassivo.

Eu acho que se uma organização organizada e liderada por japoneses estivesse envolvida, os Guardiões da Enseada poderiam retirar-se, mas as chances de tal organização ser formada são muito pequenas, devido à pressão política e social intensa que os participantes japoneses teriam de suportar. A liderança dos Guardiões da Enseada tem sido realizada por mulheres. Acho que é difícil acreditar que pescadores japoneses realmente se sintam intimidados. Parece que eles simplesmente querem ser vistos como vítimas, em um esforço para persuadir a simpatia do público.

Quando um crítico me disse que alguns japoneses achavam ofensivo ter que lidar com uma mulher, em tais situações de confronto, eu achei difícil de acreditar. Estamos no século 21, e não se justifica mais o sexismo ou o racismo. Falando com muitos cidadãos japoneses eu descobri que, assim como as pessoas em todos os lugares, eles geralmente são contrários a esta brutalidade. Cidadãos japoneses são tão eticamente compassivos como qualquer outro grupo. Um dos problemas, porém é que a mídia japonesa não informa sobre estas questões, e há obstáculos culturais profundamente arraigados ao questionamento da autoridade no Japão, como muitos cidadãos japoneses me disseram.

Estamos abertos a ideias alternativas, e se uma opção viável é apresentada, vamos adaptar às mudanças que poderiam ser mais bem sucedidas. Por agora, não vejo outra ação a não ser os Guardiões da Enseada manterem o curso e manterem a pressão, para lembrar os pescadores que promovem a matança de golfinhos que os olhos do mundo permanecerá sobre eles, e que nunca mais vão torturar e abater golfinhos nas sombras.

Lembre-se que os Guardiões da Enseada estão em Taiji, e agora eles vão estar lá todos os dias, durante seis meses, até março, e todas as manhãs farão que os assassinos de golfinhos saibam que estão sendo observados. As câmeras dos Guardiões da Enseada irão capturar o horror da matança, os microfones dos Guardiões da Enseada irão capturar os gritos dos golfinhos, os Guardiões da Enseada irão transmitir ao vivo este crime contra a natureza, a humanidade e o futuro de todo o mundo.

Uma indicação de que as ações dos Guardiões da Enseada estão tendo mais impacto é que a polícia está cada vez mais hostil, e este ano eles estão mais hostis do que nunca. Eles estão frustrados que os Guardiões da Enseada não estão quebrando as leis e dando-lhes uma desculpa para removê-los, e os custos de policiamento aumentam a cada ano. Ontem um dos policiais colocou a mão na frente do rosto de um dos Guardiões da Enseada e a resposta foi “Por que está fazendo isso? Nós não fizemos nada parecido com você”.

Este é o desafio dos Guardiões da Enseada: manter os olhos e ouvidos do mundo focados em um dos massacres mais violentos e brutais de mamíferos marinhos do planeta. A cada dia mais pessoas se conscientizam, o movimento internacional para acabar com este horror está mais forte, e essa força se traduz em pressão, tanto interna quanto externa. Não é suficiente testemunhar e documentar a matança, é importante que os pescadores de Taiji e os políticos em Tóquio saibam que estão sendo observados e documentados.

Com paciência vamos resistir, e com coragem e esperança a nossa paixão vai atingir o seu objetivo: que as águas vermelhas, agora sangrentas da Enseada, sejam azuis, todos os dias. Queremos que os gritos dos golfinhos mortos cessem, tanto no Japão quanto ao redor do mundo.