Desde 2004, a produção pesqueira tem apresentado queda e em contrapartida o consumo tem aumentado, a devastação dos oceanos já é uma realidade e a pesca predatória de cardumes nos chama atenção apenas quando nos deparamos com a mudança nos preços.
Podemos começar citando a dizimação dos atuns: o atum gordo e adulto se tornou um item tão raro que passou a ser disputado em leilões. “Dos 23 estoques de atum, a maior parte foi totalmente explorada (mais de 60%), alguns estão superexplorados ou esgotados (até 35%) e só um pouco parece estar subaproveitado”, lê-se no relatório O estado dos pesqueiros e da aquacultura mundiais – 2010, divulgado em 1º de fevereiro pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).
O atum, juntamente com o bacalhau, robalo e salmão são grandes predadores marinhos e todos estão ameaçados. No passado, avistar peixes de grandes proporções era algo comum nos oceanos. Atualmente, grandes predadores são raros e esses cardumes são formados por peixes que são apenas uma sombra de seus ancestrais: quando o homem mata os maiores peixes, além de reduzir a proporção desta espécie, ele beneficia a sobrevivência de peixes menores.
O bacalhau é outro exemplo: durante séculos foi tido como principal fonte de proteína animal pela população pobre de Portugal, até a década de 80 era considerado como um alimento barato.
Os estoques de bacalhau vêm variando muito desde os anos 1950. As avaliações de estoques feitas em diferentes regiões demonstram muita incerteza em relação à quantidade sustentável de peixes disponível. Em áreas como o oeste do Mar Báltico, a Escócia e o Mar Celta, os estoques sofrem efeitos severos da sobrepesca.
O salmão é um peixe que nasce em água doce, passa a vida adulta no mar e retorna ao rio onde nasceu para procriar e morrer. A construção de barragens, hidrelétricas e a poluição dos rios dizimaram quase todas as subespécies de salmão.
“A primeira subespécie a desaparecer foi o salmão do nordeste brasileiro, ainda nos anos 1970”, diz o jornalista e pescador americano Paul Greenberg, autor de Quatro peixes – O futuro do último alimento selvagem. “Tudo começou com a extinção do salmão brasileiro”, diz.
Em seguida foi a vez das subespécies ibérica, francesa, inglesa, nórdica, americana do Atlântico, californiana e canadense. Hoje, a última subespécie selvagem sobrevivente é o salmão do Alasca. Atualmente, quase todo o salmão consumido no mundo é criado em fazendas na Escandinávia e no sul do Chile.
Desde 2004, quando atingiu o recorde de 84 milhões de toneladas de peixe extraídas dos mares, a produção cai ano a ano. Em 2009, apesar do aumento na frota pesqueira, o volume pescado ficou em 79,9 milhões de toneladas segundo o relatório da FAO. Enquanto isso, o consumo de peixe só cresce: em 2004, a humanidade devorou 104 milhões de toneladas e em 2009, foram 118 toneladas. Em 2016, a captura global de pescado atingiu 90,9 milhões de toneladas, com mais de 87% do volume proveniente dos oceanos. Os líderes mundiais em captura são China, Indonésia, Estados Unidos, Rússia e Peru.
As estatísticas de pesca vêm avançando lentamente e não refletem a realidade de sobrepesca, em que frotas industriais vêm buscando cada vez mais regiões, até então inexploradas, para acessar novos estoques e dar conta da crescente demanda mundial. Os dados mais recentes disponíveis mostram que, de 2012 a 2016, pelo menos 55% dos oceanos foram utilizados para prática de pesca. Esta área corresponde a quase quatro vezes a área usada para agricultura em terra e continua a aumentar ano após ano. Esse cenário afeta diretamente a pesca artesanal – com estoques reduzidos, os pescadores têm que ficar mais tempo no mar para conseguir capturar a mesma quantidade de pescado, trabalhando em condições cada vez mais precárias e expondo-se a mais riscos. Com menor capacidade de locomoção, estes trabalhadores também têm menos capacidade de conservação do pescado, o que compromete a qualidade do produto e sua competitividade, fragilizando ainda mais a categoria.
O declínio da pesca marítima é irreversível, a não ser que se estabeleça uma suspensão mundial, dando tempo para a recomposição dos cardumes. A medida, embora sensata, seria impensável. Caso a suspensão fosse aplicada, 40 milhões de pessoas que trabalham e dependem da pesca perderiam sua fonte de sustento.
Uma pesquisa realizada em 2017 com consumidores de todo o país revelou que, apesar de mais de 90% dos brasileiros consumirem peixe, a grande maioria (59,2%) o faz apenas a cada 15 dias, mensalmente ou em ocasiões especiais. A pesquisa, divulgada pelo Comitê Gestor da Semana do Peixe, mostra que boa parte dos brasileiros evita comprar pescado porque considera o preço alto ou por falta de costume. Apesar de o consumo interno estar abaixo da média mundial, o Brasil ocupa posição de destaque nas importações de pescado na América Latina, com um grande potencial de crescimento no segmento. Isto gera pressão sobre os ecossistemas marinhos e espécies de pescados brasileiros. Por este motivo, o cenário pesqueiro nacional demanda bastante atenção, principalmente pelas práticas pouco responsáveis e pela falta de uma gestão pesqueira eficiente.
O cenário da pesca no Brasil não tem sido animador. Atualmente, estima-se que 80% dos recursos pesqueiros do País estão sendo explorados além de sua capacidade natural de regeneração. Em outras palavras, peixes e outros frutos do mar estão sendo capturados em uma taxa superior à que conseguem se reproduzir, o que pode levar a um colapso da pesca no Brasil.
Ter informações confiáveis sobre o estado das populações selvagens é necessário para uma gestão da pesca eficaz. No caso do Brasil, esse é um obstáculo ainda maior, visto que em nosso país não existe coleta sistemática de dados de pesca por parte do governo desde 2009. Logo, é possível que estejamos extinguindo espécies sem nem sequer termos conhecimento disso além do comprometimento da eficiência de todos os outros pontos da gestão pesqueira.
Fontes de Pesquisa:
- EcoDebate, 09/03/2011
- Reportagem de Peter Moon, na revista Época, n.665
- “The State of World Fisheries and Aquaculture 2010”, National Geographic e Sea Around Us
- Guia de Consumo Responsável de Pescado no Brasil – WWF, 2019