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O que mais ninguém vai te contar sobre a volta do McFish

O McFish voltou. E deu o que falar.

Após anos fora do cardápio, por ter baixo volume de vendas em comparação a outras opções, o McDonalds anunciou o retorno do McFish, como uma estratégia da empresa de gerar barulho na mídia (resposta a dois influenciadores que pediam seu retorno em sua conta @voltamcfish, que já alcança mais de 20 mil seguidores).

Segundo o McDonalds, o peixe do McFish é a polaca (Gadus chalcogrammus), um peixe proveniente do Alasca, que a empresa descreve ser de origem responsável e sustentável certificada pelo selo da Marine Stewardship Council (MSC), o que evita a sobrepesca, segundo próprio post.

CERTIFICAÇÃO DUVIDOSA

Já falamos aqui antes sobre a falha da certificação da MSC, uma organização financiada pelas grandes empresas de pesca, e que possui um sistema que não garante (ou tem interesse em garantir) que o alimento siga de fato as determinações de seu selo.  A empresa peca na fiscalização das atividades de pesca de maneira representativa para garantir que o animal seja pescado como determinam. Alvo de várias polêmicas, o termo ‘sustentável’ da MSC é muito questionável, já que o selo também é concedido para técnicas de pesca predatórias, como a pesca de cerco com uso de FADs (dispositivos agregadores de peixes, em inglês) ou a pesca de arrasto, uma técnica altamente não seletiva que representa 1⁄4 de todo animal pescado no oceano – e que é inclusive a técnica usada nas pescas de polaca no Alasca.

ENTENDENDO A PESCA DA POLACA DO ALASCA

Hoje na região do Alasca, há cerca de 250 embarcações de arrasto de fundo que realizam a prática da pesca de polaca. Muitas delas têm o tamanho de um campo de futebol, com redes imensas que retiram 100 toneladas de animais por subida de rede. Esta é uma indústria altamente lucrativa nos EUA, gerando aproximadamente 2 bilhões de dólares, e portanto muito protegida pelo governo, que se defende alegando que se trata de uma pesca  sustentável por ser uma espécie abundante, de alta e rápida reprodução. Logo, permite cotas anuais (imensas) de pesca de polaca, que giram em torno de 1.3 MILHÕES de toneladas por ano. 

O que ninguém fala é o quanto a região está sendo afetada por uma técnica que dizima leitos de mar e retira diversas espécies do fundo, muito além da polaca, sem nenhuma seletividade – e que são mortas descartadas no mar após retrair a rede. Segundo um artigo investigativo do ano passado, animais que eram antes abundantes na região, como o linguado, o caranguejo ‘king crab’ e o salmão estão desaparecendo. Além disso, a retirada de grandes quantidades de polaca pode afetar, por exemplo, as focas e lobos marinhos do Ártico, espécies que possuem este peixe como alimento e que estão em risco de extinção.

O órgão de meio ambiente dos EUA, o NOAA, argumenta que os níveis de bycatch (fauna acompanhante) desta indústria são saudáveis, por serem menores que 1%. Porém, isso é o que é registrado pela frota, que muitas vezes nota grandes quantidades de salmão na rede já sendo puxada, e solta os animais, muitos já moribundos ou mortos, para iniciar novamente a pesca em outro lugar com menos animais não-alvo, como observado a bordo de seus navios. Além disso, uma indústria que tem permissão de cota de 4 milhões de toneladas totais, um por cento já equivale a 4 mil toneladas de espécies, incluindo 50 toneladas só de tubarão. Sendo que já houve inclusive, casos históricos de morte de orca nas redes.

Outra inconsistência, é que algumas espécies têm sua pesca proibida no Alasca por serem protegidas, mas seguem sendo permitidas como bycatch para na pesca da polaca. Por exemplo, dois terços do linguado pescado anualmente no estreito de Bering,  é considerado fauna acompanhante da pesca de polaca, mas têm sua pesca proibida e devido à sobrepesca, e ainda acabam sendo descartados mortos no mar. Enquanto a pesca de salmão das espécies salmão-rei e salmão-keta eram proibidas devido também ao histórico de sobrepesca, a atividade de pesca de polaca matava mais de meio milhão de indivíduos da espécie. Enquanto capturar caranguejos era proibido para recuperar sua população, permitiu-se o descarte de 4.6 milhões de caranguejos na pesca de polaca do Alasca.

A POLACA E O RISCO À SAÚDE

Se nada disto te convence, ainda vamos rebater o argumento sobre o peixe ser saudável para consumo. A indústria defende sua alta concentração de nutrientes, como o Ômega 3 (que diga-se de passagem, pode ser facilmente produzido em nosso corpo a partir do consumo de determinados ingredientes de origem vegetal, como linhaça e soja, dentre outras fontes). Porém, em estudo conduzido pelo Instituto Adolfo Lutz de 2019, foram encontrados 133 parasitos mortos em 68% das amostras de polaca do Alasca comercializadas na cidade de São Paulo. Onze por cento das amostras continham parasitos do grupo anisaquídeos, que apresentam potencial zoonótico se ingeridos vivos, e alergênico mesmo após processamento térmico.

COMO AGIR?

Está muito claro que este retorno está longe de ser boa para nós, para o oceano e para o planeta.

Junte-se a nós na defesa do oceano. Compartilhe este artigo e espalhe esta informação para este lançamento nunca vingar, e esta opção sair de vez do menu para nunca mais voltar. Exija que o McDonald ‘s discuta urgentemente outra entrada no cardápio: a transição da proteína animal para a vegetal em seus hambúrgueres, com a entrada de mais opções veganas no Brasil.

#naovoltamcfish #mcfish #mequi #voltamcfish #pesca #pescasustentavel

FONTES: 

A review of formal objections to Marine Stewardship Council fisheries certifications – ScienceDirect

https://www.bloomassociation.org/en/half-of-msc-certified-tuna-comes-from-fisheries-using-destructive-fads/

https://www.politico.com/news/magazine/2023/03/03/alaskas-fisheries-collapsing-peltola-industry-blame-00066843

https://www.adn.com/business-economy/2023/10/13/a-struggle-to-dodge-salmon-in-pursuit-of-a-massive-pollock-bounty/

https://www.adn.com/alaska-news/rural-alaska/2023/10/21/bering-sea-fishing-group-grapples-with-how-to-invest-pollock-profits-in-western-alaska/

https://visaemdebate.incqs.fiocruz.br/index.php/visaemdebate/article/view/1304