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Expedição inicia um novo ciclo de esperança para a proteção dos botos da Amazônia

Expedição Boto da Amazônia

A Sea Shepherd, organização de conservação que protege baleias e golfinhos, e o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) finalizaram a primeira etapa de um estudo a longo prazo sobre os botos vermelhos e botos tucuxis na bacia da Amazônia. A pesquisa é importante para mensurar o impacto da pesca ilegal de piracatinga na conservação destas espécies.

Manaus-AM: Neste último dia 23 de outubro, véspera do Dia dos Golfinhos de Rio (24/10), o primeiro ciclo de pesquisas da Expedição Boto da Amazônia, organizada pela Sea Shepherd em parceria com o INPA, chegou ao fim. Foram 22 dias de viagem, com contagem de botos vermelhos (Inia geoffrensis) e de botos tucuxis (Sotalia fluviatilis) em 19 deles. 

Liderada pela bióloga Dra. Sannie Brum, doutora em ecologia populacional destas espécies, a pesquisa contou com mais quatro cientistas do Laboratório de Mamíferos Aquáticos do INPA: Andressa Castro, Israela de Souza, Lucas Spinelli e Rayane Gonçalves, e outros dois cientistas da Sea Shepherd, Giovanna Giannetto e Heloísa Brum

Também a bordo, estiveram Nathalie Gil, líder da expedição e CEO da Sea Shepherd no Brasil; a documentarista Alba Treadwell, experiente nas operações da Sea Shepherd no exterior; o fotojornalista Gustavo Fonseca e Ana Paula Machado, chef de cozinha que foi responsável pela alimentação à base de plantas dos membros da expedição, seguindo a política global da organização.

Tripulação posa no convés do navio

O barco da expedição foi o B/M Comandante Gomes III, capitaneado pelo comandante Valmiro Pacaio Barros. Na tripulação, contamos com Sidney Batista da Silva, Raimundo Alves da Silva Jr, Roberguen da Cruz Parente, Walcineide Oliveira dos Santos, Ana Carolina dos Santos e Antonio Marcos Lima da Costa.

Tripulação observa rio Amazonas

Nestes 19 dias de pesquisa, foram monitorados por volta de 1200 km de rios, lagos e paranás (canais que ligam rios ou lagos), com foco em quatro áreas:

  • Manacapuru, área de alta incidência de pesca e também famosa pela pesca da piracatinga, um tipo de peixe que é pescado com iscas feitas de carne de boto;
  • A Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Piagaçu – Purus, área reconhecida mundialmente por ter a maior densidade de golfinhos de rio no mundo;
  • A RDS Mamirauá, localidade onde foram realizados os estudos mais aprofundados sobre as duas espécies de botos;
  • A região do lago Badajós, também considerada de grande incidência destas espécies.

Estas localidades foram estrategicamente escolhidas para permitir a comparação entre áreas de alta incidência de pesca com áreas de manejo controlado, além de contrastar áreas de rios largos com áreas de paranás mais estreitos.

Foram identificados na expedição por volta de 1.400 botos e 3.200 tucuxis em uma cobertura de por volta de 1.200km de rio. É alarmante perceber a continuidade do contraste da densidade destes animais em regiões como Mancapuru – de alta concentração de pesca e conhecidamente de pesca ilegal de piracatinga – e da RDS Piagaçu-Purus, área protegida onde há experiências de manejo e controle de pesca.

Foram identificados aproximadamente 1.400 botos vermelhos e 3.200 tucuxis em cerca de 1.200km de rio. Porém, é alarmante perceber a diferença na densidade destes animais em regiões como Manacapuru, onde ocorre pesca ilegal de piracatinga, e da RDS Piagaçu-Purus, área protegida onde há experiências de manejo e controle de pesca.

Em Manacapuru, por exemplo, foram registradas 10 vezes mais presença de pontos de pesca do que na área de cobertura da RDS Piagaçu-Purus, que possui por volta de oito a nove vezes mais botos. 

Vale ressaltar que esses dados são iniciais: outras cinco expedições estão previstas para os próximos três anos, permitindo a coleta de dados mais aprofundados, e só então as organizações poderão compartilhar resultados concretos.

A pesquisa a longo prazo visa complementar um renomado estudo de mais de 25 anos de leitura populacional destas duas espécies de botos amazônicos, liderado pela Dra. Vera da Silva, chefe do Laboratório de Mamíferos Aquáticos do INPA. Foi esse estudo que permitiu  a identificação de um declínio populacional alarmante para as espécies, estimando que, infelizmente, as populações de botos vermelhos e tucuxis são reduzidas pela metade a cada 9 ou 10 anos.

Tripulação segura redes de pesca retiradas do rio
Navio da Sea Shepherd na margem do rio, visto por drone

Os dados levaram a IUCN, órgão que define o status de conservação das espécies no mundo, a considerar os dois tipos de botos como ameaçados de extinção. Mas a velocidade de seu declínio, em especial devido à pesca ilegal da piracatinga, indicam que elas podem estar mais ameaçadas do que se imagina.

Logo, a execução desta pesquisa se torna urgente, trazendo evidências sobre o real estado de conservação desses animais em mais pontos do rio.

A pesca da piracatinga, um peixe que normalmente se alimenta de carne morta, é geralmente feita com armadilhas específicas, como caixas de madeira ou um curral feito de rede fina, como um mosquiteiro, onde o pescador utiliza carne de jacaré ou de boto – ambas espécies cuja caça é proibida – para atrair os peixes à armadilha.

Desde os anos 2000, essa prática tem aumentado, o que resultou em uma moratória para proibir a pesca e comercialização da piracatinga, vigente desde 2015. Em junho, a moratória foi prorrogada por mais um ano, uma decisão tomada pela Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Durante a viagem, também foi identificado pela primeira vez, por meio de um drone, um curral de pesca da piracatinga armado. Aparentemente, a pescaria aconteceria de noite, bem à frente da cidade de Manacapuru. Porém, no momento da filmagem, a isca estava coberta por um plástico preto, e não pode ser identificada.

A equipe de pesquisadores e ativistas também identificou em viagem três tucuxis mortos: dois na região de Manacapuru e um no entorno do porto de Coari. Os três eram machos. Estes avistamentos são raros de se obter, já que um animal morto no rio não dura muitas horas antes de ser predado por outros animais.

O primeiro era um adulto, com uma marca de rede em seu pescoço e uma ferida grande abaixo de sua nadadeira peitoral. Com cerca de 9 centímetros de profundidade, o ferimento pode ter sido causado por um arpão. O segundo era um juvenil, possivelmente filhote, com uma marca de ferida na cauda, também possivelmente ocasionada por um arpão.

Cadáver de boto é analisado

O terceiro era um adulto saudável, sem indicações de doenças e ferimentos. Estes avistamentos revelam uma outra ameaça para as duas espécies: o encontro com pescadores, com possível emalhe em rede de pesca e ataques com arpão. Como respiram do lado de fora da água, ficar preso numa rede de pesca pode levar à  morte em apenas alguns minutos.

Durante a expedição, a Sea Shepherd iniciou contato com diferentes comunidades no percurso, criando parcerias para um trabalho a longo prazo de educação ambiental e criação de modelos de gestão de resíduos nas comunidades. Houve mapeamento da atual gestão de resíduos de cada localidade, e foi realizado um trabalho inicial de sensibilização sobre o descarte de lixo no rio.

Além disso, foram realizadas palestras educativas sobre os mamíferos aquáticos da Amazônia, suas características e ameaças. Essas parcerias poderão futuramente servir como modelos de gestão para as outras comunidades do entorno.

Palestra em escola