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Botos da Amazônia ganham mais um ano para prosperarem

Moratória da pesca da piracatinga é prorrogada até julho de 2022, tempo que a ONG Sea Shepherd inicia sua expedição para reunir dados para a proteção das espécies de botos ameaçados

Brasília – DF: Acaba de ser anunciado hoje pelo Diário Oficial da União que a moratória para a pesca e comercialização da piracatinga foi prorrogada por mais um ano, uma decisão tomada pela Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Este anúncio garante mais um curto período de alívio para a conservação do boto da Amazônia e do tucuxi nos rios da bacia amazônica.

Estudos do INPA indicam que as populações do boto da Amazônia, também conhecido como boto cor-de-rosa (Inia geoffrensis), e do tucuxi (Sotalia fluviatilis) estão diminuindo pela metade a cada 9 a 10 anos, dependendo da espécie. Várias ameaças a estes cetáceos já são conhecidas, como a pesca acidental, ou acessória, em redes, a construção de represas que fragmentam e isolam as populações. Porém cada vez mais, os botos são assassinados com a intenção de servir de isca para a pesca ilegal de uma espécie de bagre necrófago da bacia Amazônica, a piracatinga (Calophysus macropterus).

Boto

A pesca da piracatinga utilizando botos como isca teve início no final da década de 1990 e representou a maior ameaça para os golfinhos da Amazônia desde a chegada dos europeus no Brasil. Um número muito alto de botos mortos em pouco tempo para esse fim levou a significativa redução da população desses animais em várias áreas da sua distribuição. Denúncias e movimentos conservacionistas de proteção aos botos e sobre as populações humanas consumindo esse pescado culminaram com a suspensão da pesca da piracatinga por cinco anos, em um ato interministerial assinado pelos então ministros do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Pesca (Mapa) – Instrução Normativa (IN) Interministerial nº 06, de 17 de julho de 2014. Essa moratória foi encerrada em 1o de janeiro de 2020, sem que as metas estabelecidas tivessem sido alcançadas.

Questionamentos do Ministério Público do Amazonas e de grupos ambientalistas sobre o não cumprimento das metas propostas levaram ao Mapa a estabelecer uma nova moratória proibindo a pesca e a comercialização da piracatinga em águas jurisdicionais brasileiras pelo prazo de um ano, com início em 1o de julho de 2020.

O Conselho Estadual de Pesca e Aquicultura do Amazonas (Conepa-AM), seguido do Mapa, criaram GTs para responder aos termos das INs instituídas e para discutir e identificar técnicas e métodos sustentáveis e ordenar as atividades da pesca da piracatinga. Porém a falta de informações conclusivas oriundas de subsídios técnico-científicos resultou na não possibilidade de cumprir as condições estabelecidas pela IN SAP/Mapa nº 17, de 2020, e como consequência, a moratória será mais uma vez estendida para que se possa obter as informações que respondam às questões propostas nas Instruções Normativas.

SEA SHEPHERD INICIA SEUS ESFORÇOS DE LONGO PRAZO PARA A CONSERVAÇÃO DOS BOTOS DA AMAZÔNIA

Em resposta ao desafio sobre a conservação das duas espécies de golfinhos Amazônicos, a ONG de conservação de cetáceos Sea Shepherd Brasil lança EXPEDIÇÃO BOTO DA AMAZÔNIA. A Sea Shepherd chega na Amazônia no segundo semestre deste ano, se unindo aos renomados pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), que lideram a pesquisa científica mundial sobre ambas espécies. As organizações planejam ter dois ciclos de expedições de contagem populacional rodadas antes do encerramento da moratória, previsto para 1o de julho de 2022.

Este é o primeiro estudo de longo prazo contínuo em rios da bacia Amazônica realizados em múltiplos pontos da bacia, tornando possível uma avaliação do real estado atual de conservação dessas espécies. Será um estudo populacional de três anos, abrangendo duas expedições por ano e cobrindo quatro pontos do rio Amazonas, resultando no total de seis expedições, 3.000 km percorridos e 100 dias de observação.

Barco - Campanha Boto

A conservação dos botos: um desafio

Os golfinhos da Amazônia, espécies ameaçadas de extinção e protegidos por lei, são valiosos como espécies sentinelas e bandeira, exercendo papel fundamental no equilíbrio e no funcionamento do ecossistema aquático da Amazônia. Entender e mitigar os impactos sobre esses mamíferos aquáticos é indispensável para a conservação do bioma amazônico como um todo.
Botos são animais de vida longa, podem viver mais de 35 anos e demoram a atingir a maturidade sexual. As fêmeas alcançam a maturidade sexual por volta dos 10 anos de vida, com cerca de 180-200 centímetros de comprimento corporal, produzem um filhote a cada gestação, que dura aproximadamente 12-13 meses. Os filhotes nascem com comprimento entre 78-90 centímetros e 12 quilos e podem permanecer com a mãe entre dois e seis anos, sendo que o período de lactação é superior a um ano. Em média, o intervalo entre nascimentos é de quatro anos e meio, dependendo da idade da mãe e da sobrevivência do filhote. Com base nessas informações, fica evidente que um ano – ou mesmo cinco anos – não é tempo suficiente para reposição de indivíduos em uma população cuja retirada foi maior e mais rápida do que a sua capacidade de reposição.

Não existem garantias de que, uma vez liberada a pesca da piracatinga, a prática de uso de botos e jacarés como isca não seja retomada. Sabemos que não existe fiscalização efetiva em grande parte da região, o controle e a fiscalização da comercialização do pescado são inadequados e se desconhece a origem e as quantidades de pescado processado pelos frigoríficos. Excetuando as espécies de peixes protegidas pelo defeso em certas épocas do ano, não existem outras formas de controle e fiscalização.
Portanto, a avaliação da recuperação das populações de botos não será respondida em tempo tão curto. Esta extensão de moratória dá um curto período de alívio, mas a batalha para a preservação destas espécies está ainda longe de ser vencida.

Parte do texto editado do artigo da Dra. Vera Ferreira da Silva, chefe do LMA-INPA, publicado no Fauna News. Saiba mais aqui.

Fotos: Cristian Dimitrius, Gleeson Paulino, INPA