#ColunaDoVoluntário: A interação com os seres que dividem a casa conosco
por Fábio Dantas de Melo, voluntário da Sea Shepherd Brasil
"Havendo relacionamento, faço; não havendo, crio relacionamento."
- Mestre Zen
Vários foram os seres humanos que cultivaram uma amizade encantadora com outras espécies a ponto de dedicarem boa parte de suas existências a conhecer em profundidade (como devem ser as “verdadeiras amizades”) aquele outro ser: Jane Goodall (chimpanzés), Dian Fossey (Gorilas), Edward O. Wilson (formigas), Augusto Ruschi (beija-flores), Paulo Nogueira Neto (abelhas) entre outros.
Recentemente assisti ao documentário “Professor Polvo” e seu protagonista, o cineasta Craig Foster, quem estabeleceu o contato com um polvo na referida película, diz a certa altura (cena dos dias subsequentes ao ataque de um tubarão ao seu amigo polvo) que, ao ver um novo tentáculo, minúsculo, “nascendo” no local do ataque, aquele molusco mostrou-lhe que, de alguma forma, tudo se regenera, restaura e que ele estava, sem perceber, superando as dificuldades em sua própria vida.
Hoje, no campo educacional, temos escolas que inseriram, entre suas atividades extraclasses, a chamada Educação Assistida por Animais (EAA). Trata-se de uma metodologia que promove o encontro entre humanos e animais, entendendo que isso contribui para o desenvolvimento integral do sujeito. De fato, o grande pacifista Mahatma Gandhi já declarara que “a grandeza de um país e seu progresso podem ser medidos pela maneira como trata seus animais”. Ou seja, tornamo-nos mais e melhores “humanos” quando nossa relação com os demais seres é firmada no respeito e na compaixão.
De uma perspectiva biocêntrica (que embasa a chamada Ecologia Profunda), a superação da distância que nos colocava em posição de supremacia em relação aos demais animais, nos provoca a um “repensar” do nosso lugar na Natureza. O filósofo francês Michel Serres, que já esteve como professor visitante da Universidade de São Paulo (USP) nos idos de 1970, escreveu um livro “O Contrato Natural” (1990) bem apropriado ao nosso tempo, em que se propõe a analisar a relação Homem-Natureza, expressando a necessidade de um novo modelo de convivência entre ambos, desta vez simbiótica. E me parece sensato pensar que viver com alguém de maneira próxima (o que está na essência do termo convívio) requer o reconhecimento deste Outro não como um objeto, algo de que se possa dispor como bem entender, usar e descartar, mas, sim, como alguém digno da Vida, de experimentar a felicidade e realizar toda sua potencialidade. E acreditem (pesquisas mais recentes comprovam isso): plantas e animais são seres passíveis de experienciar o que acabamos de dizer.
Como diz o doutor em Ecologia e pesquisador em Ecologia Profunda na Schumacher College no Reino Unido, Stephan Harding,
“Temos que entender Gaia não apenas como uma ideia em nossas cabeças, temos também que nos experimentar como parte de sua existência viva”.
A referência à Terra é feita pelo termo Gaia, retirado da mitologia grega, que dá nome à teoria desenvolvida por James Lovelock e Lynn Margulis. A lição é que podemos ir além de uma posição especista (conceito criado pelo psicólogo Richard Ryder pelos idos dos anos 1970) e expandir nossa ética, nossa empatia, nossa amorosidade, nosso cuidado a outras formas de Vida a fim de nos melhorarmos e contribuirmos para a regeneração de nosso planeta.
Termino esse texto, apontando a Sea Shepherd, organização fundada pelo capitão Paul Watson em 1977, como exemplo de preocupação ética com as formas de vida, em especial as aquáticas, e adotando a estratégia de ações diretas para protegê-las. Para isso, conta com a maior frota particular de navios, que patrulham os mares em parceria com governos em águas soberanas (e inclusive as águas internacionais, que não estão sob a soberania de nenhum Estado específico e tem se constituído em “terra de ninguém”) em busca de barcos de pesca ilegal e os que descartam resíduos nos oceanos. Defensores de uma visão biocêntrica, que coloca a vida (humana e não humana) no centro sem estabelecer hierarquizações e nem pesos, a organização, em todas as suas atividades com seus tripulantes embarcados, pesquisadores e voluntários em terra, abraça a prática de se abster do uso de produtos de origem animal, demonstrando assim seu respeito e zelo, o que faz eco igualmente a uma das declarações feita pelo idealizador da organização:
“As baleias, os tubarões, os plânctons são nossos clientes. São eles quem representamos. É pelo direito deles que nós lutamos e, cada vez mais, é uma luta por todos nós. Se o oceano morre, nós morremos”.