Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirma pela segunda vez a suspensão do turismo de observação de baleias embarcado no litoral de Santa Catarina, Brasil
Tribunal considera mais importante a preservação das baleias franca do que o ganho financeiro para a região com o turismo de observação de baleias embarcado na Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca (APABF)
Em votação unânime, os três Desembargadores Federais que compõem a terceira turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiram a favor da preservação das Baleias Franca em seu berçário (litoral da Santa Catarina), mantendo o turismo de observação de baleias com uso de barcos suspenso, negando o pedido do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio para que a atividade fosse liberada nos autos do agravo de instrumento nº 5012653-43.2013.404.0000.
O Turismo de Observação de Baleias Embarcado (TOBE) encontra-se suspenso desde maio de 2013 por determinação da Justiça Federal de Laguna, após o Instituto Sea Shepherd Brasil comprovar os riscos dessa atividade para as baleias franca e para os turistas: “O ICMBio autoriza, as empresas exploram e o público participa de tal atividade desconhecendo as consequências que possa causar às baleias-francas, o que, com base no princípio da precaução, é suficiente para justificar a suspensão da observação de baleias-francas com uso de embarcações nos limites e zona de amortecimento da APA da Baleia Franca nos Município de Garopaba, Imbituba e Laguna, até que tais estudos sejam realizados e a eventual viabilidade da atividade seja verificada”, fundamenta a Juíza Daniella Cavalheiro, em decisão que suspendeu a atividade.
A ação civil pública tomou outro rumo quando o próprio ICMBio trouxe aos autos documento da segunda maior operadora dessa atividade, na região da APA da Baleia Franca, em que admite a necessidade de manter os motores ligados como medida de segurança para os turistas, mesmo que as baleias e seus filhotes estejam a menos de 100 metros das embarcações, o que significa descumprir a Portaria 117/96 do IBAMA, esclarece o Instituto Sea Shepherd Brasil.
A operadora alega no documento que manter os motores constantemente ligados trata-se de uma manobra atrelada à segurança de navegação ditada pelos fatores ambientais da região, como ventos fortes, correntes marinhas e o hábito das baleias franca de permanecerem a menos de 20 metros da praia, o que colocaria em risco as embarcações pela possibilidade de chocarem-se contra os costões caso desliguem os motores ou deixe-os em ponto neutro. Essa revelação também motivou a suspensão da atividade pela Justiça: “Por certo, a aplicação da legislação protetiva dos cetáceos e a fiscalização e monitoramento realizados pelo ICMBio não estão sendo suficientes para garantir a segurança de baleias-francas, turistas e embarcações envolvidos na atividade, até mesmo em razão das características do litoral em que é realizada e de fatores como a movimentação das marés, os ventos e o próprio deslocamento das baleias-francas. Tais fatores acabam por colocar em risco não só as baleias-francas, como também turistas e exploradores da atividade.”, conclui a Juíza Dra. Daniella.
A operadora do turismo revela que: “a presença constante de ventos do quadrante sul e norte e as correntes marítimas associadas levam as embarcações à deriva nos momentos das avistagens”, e informa “em dados momentos as manobras visando a segurança do barco e dos passageiros é obrigatória mesmo que os cetáceos estejam a uma distância inferior ao estabelecido na legislação.” A fim de averiguar a correação dessas informações, o Instituto Sea Shepherd Brasil encaminhou uma consulta técnica para o Sub Tentente da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, profissional com habilitação e experiência em navegação costeira com 15 anos de atuação em resgate de pessoas no mar, Sr. Hamilton Fernandes dos Santos. Ao analisar as informações da operadora de turismo, esclarece: “A operadora está certa ao analisar os fatores de risco de se navegar em enseadas.” e, quando indagado acerca da viabilidade desse turismo na região, conclui: “Não considero viável pelos critérios mínimos de segurança de navegação e da salvaguarda da vida dos turistas. Além de apresentar alto risco para as baleias também. Tenho 30 (trinta anos) de experiência em navegação e 47 (quarenta e sete) de contato com o mar, sou neto e filho de pescador, e já passei por muita situação difícil no mar, por isso tenho certeza de que este tipo de turismo é muito arriscado na região da área de proteção ambiental da baleia franca e, se for liberado, será sem condições de garantia e segurança dos turistas observadores de baleias, isso é constatado por qualquer pessoa que entenda de navegação, por isso fico preocupado que o ICMBio libere essa atividade.”
O Instituto Sea Shepherd Brasil deixa claro que não é contrário à prática do Turismo de Observação de Baleias Embarcado, inclusive apoia a sua realização em Abrolhos, na Bahia, na observação de Baleias Jubarte. Mas que, após as informações da operadora de turismo e da consulta ao sub tenente Santos, entendeu necessário requerer à Justiça Federal a suspensão definitiva do TOBE na região da APA da Baleia Franca como medida de segurança para as baleias franca e para os próprios turistas. “Em enseadas pequenas, fechadas e semi-fechadas, há a presença de fatores ambientais que determinam outras condições de segurança de navegação incompatíveis com a legislação de proteção aos cetáceos. Em Abrolhos a observação das baleias jubarte ocorre a 70 km da costa, em mar aberto, o que possiblita o cumprimento integral da legislação de proteção aos cetáceos durante o avistamento. Da mesma forma, o TOBE de Baleias Franca praticado na Península Valdes, Argentina, por ser formada por dois golfos, Nuevo e de São José, com extensão de 40 km e 32 km respectivamente caracterizam diferenças fundamentais e intransponíveis que determinam a legalidade ou ilegalidade da atividade diante da possibilidade ou não de cumprimento da legislação”, conclui a advogada do Instituto Sea Shepherd Brasil, Renata Fortes.
O Instituto Sea Shepherd Brasil também consultou o Dr. Antônio Libório Philomena, oceonógrafo, docente-pesquisador aposentado da Universidade Federal de Rio Grande, que ao visitar a região da APA da Baleia Franca, destacou em seu laudo técnico, já anexado aos autos da ação judicial: “observando o ciclo de vida deste cetáceo, fica claro que a criação da APA com 130 Km de extensão na costa catarinense, tem como função primordial separar uma área marinha costeira para um berçário. Ponto crucial na fase 1 da manutenção de uma população – reprodução, gestação, nascimento, amamentação e preparo do jovem para o grande desafio – a migração para o Sul.”, ressalta o pesquisador: “Berçário, em algumas publicações, é quase sinônimo de descanso, tranqüilidade, sossego e quietude.” O Dr. Philomena considerou esse turismo em enseadas pequenas e fechadas como sendo uma fonte de molestamento para as baleias franca e grave risco para os turistas.
O Ministério Público Federal, em suas duas manifestações na ação judicial em prol das baleias franca, defende que o melhor para baleias e turistas é o avistamento feito por terra na região da APA da Baleia Franca, pois garante a segurança de todos, considerando-o ambientalmente sustentável.
“A manutenção da decisão liminar pelo Tribunal Regional Federal da 4 Regiäo, mantém a finalidade principal da APA da Baleia Franca, ou seja, a proteção das baleias francas, listadas como espécie ameaçada de extinção, bem como o seu importante local de reprodução e demonstra o acerto do ISSB em mover a ação civil pública em favor destes animais. Diferentemente do que vem sendo alegado, a paralisação da atividade supra mencionada não teve impacto relevante na economia local, pois existem cerca de 20 (vinte) pontos de observação de baleias por terra, na região compreendida entre as cidades de Garopaba, Imbituba e Laguna, ocorrendo o natural estímulo para esta atividade, que continua a atrair turistas para a região. Entendemos que a atividade do turismo embarcado não pode ocorrer na APA da Baleia Franca, pois demonstramos na ação civil pública, a flagrante ocorrência de perturbações indevidas aos animais, causando impactos diretos nas baleias e seus filhotes. Através da investigação que foi realizada, verificamos que não há constante monitoramento e rígida fiscalização na realização da atividade na região – um berçário das baleias francas – razão principal da existência da área de preservação ambiental” – comenta Luiz André Albuquerque, Coordenador Jurídico do Instituto Sea Shepherd Brasil.
A bióloga Profa. Dra. Paula Brügger da Universidade Federal de Santa Catarina entregou para o Instituto Sea Shepherd Brasil documento em que analisa o turismo de observação de baleias embarcado na APA da Baleia Franca, e aponta a incompatibilidade da educação ambiental com a prática de uma atividade que viola os direitos fundamentais de seres vivos: “A educação genuinamente ambiental deve estar baseada no ponto de vista biocêntrico que postula o respeito a esses animais não somente como espécie ameaçada – um ponto de vista instrumental – mas também o respeito pelo valor intrínseco de cada indivíduo, sujeito-de-uma-vida, como postula o filósofo Tom Regan.“, e ressalta a Dra. Brügger: “Além do risco de abalroamento com as baleias, o ruído das embarcações pode afetar de forma adversa o sistema de eco-localização desses animais, pois, assim como as ondas sonoras que emitem batem nos obstáculos e retornam a elas, também as ondas sonoras dos motores dos barcos ecoam nas enseadas, criando um espaço de multiplicação de ondas de freqüências variadas, o que significa um aumento da quantidade de “informações” que esses animais têm, em tese, que processar.”
Para o Instituto Sea Shepherd Brasil a decisão unânime do Tribunal Regional Federal mantendo a suspensão do TOBE significa a efetividade da legislação que proibe o molestamento de cetáceos, desrespeitada por anos em área destinada justamente para a proteção das Baleia Franca – berçário no Brasil dessa espécie ameaçada de extinção. “Por isso, a preocupação em não só estimular a educação ambiental, como menciona o ICMBio, e em proteger a atividade econômica dos trabalhadores que dela dependem mas, principalmente, a necessidade de se preservar a espécie em unidade de conservação em que é imprescindível o devido licenciamento ambiental. As fotos juntadas pelo peticionante ISSB demonstram que a ação antrópica pode colocar em risco a reprodução dos cetáceos.”, fundamentaram os Desembargadores Federais.