A equipe da Sea Shepherd Brasil, em colaboração com o INPA e órgãos locais como UFAM, IFAM, UEA, ADAF, Polícia Militar e SEMMA Coari, está atuando na investigação de mortes de botos e peixes-boi na região de Coari, em meio à maior seca já registrada na Amazônia. Durante os primeiros dias de campo, no dia 27 de setembro, peixes-boi amazônicos (Trichechus inunguis) foram observados sendo caçados ilegalmente, reforçando a urgência de ações de uma fiscalização mais sistêmica e em áreas de mais difícil acesso para a proteção desses animais ameaçados.
A matança e o processamento dos animais foram observados à distância. Porém, quando a equipe se aproximou, os caçadores já haviam fugido e abandonado os animais.
Foram encontrados dois indivíduos arpoados e mortos, ambos com cortes profundos – uma fêmea adulta, que ainda amamentava um filhote (agora órfão), e um macho juvenil. “Observar por binóculos os peixes-boi lutando por suas vidas após serem cruelmente arpoados, foi devastador. Saber que estes animais foram vítimas de uma prática ilegal em plena crise de seca reforça a urgência da nossa presença aqui.”, diz Olivia Pedroso, Veterinária Voluntária da Sea Shepherd Brasil.
Após serem removidos da água, os corpos foram levados para Coari, onde foram necropsiados para uma análise mais detalhada das lesões. Tucuxis (Sotalia fluviatilis), uma espécie de golfinho de rio em perigo de extinção, foram avistados nadando de maneira lenta ao redor dos peixes-boi feridos, sugerindo que as redes (malhadeiras) utilizadas pelos caçadores de peixes-boi para cercá-los antes de arpoar, podem também estar relacionadas à morte de golfinhos.
A seca histórica no Médio Solimões tem agravado ainda mais a situação, diminuindo a área de navegação dos botos e peixes-boi, facilitando o acesso de caçadores às áreas onde eles se concentram. Desde o dia 22 de setembro de 2024, início das operações da Sea Shepherd Brasil em Coari, já foram encontradas 14 carcaças de golfinhos de rio: 13 tucuxis e um não identificado. Com a ampliação do monitoramento, esses números podem aumentar ainda mais.
“A ausência de uma fiscalização emergencial durante a seca tem deixado esses mamíferos aquáticos completamente vulneráveis. Os moradores da região já mencionam que não veem mais os peixes-boi em abundância no rio como antigamente. Precisamos de uma resposta imediata e efetiva para impedir que essa matança continue. A caça ilegal está exterminando espécies ameaçadas, e sem ação, a situação só tende a piorar, especialmente com a seca.” informa Nathalie Gil, líder da operação pela Sea Shepherd Brasil.
O comércio ilegal de carne de peixe-boi, vendido fresco ou na versão frita, conhecida como “mixira”, continua sendo uma prática recorrente na região. Relatos afirmam que 6 a 8 peixes-boi são mortos diariamente e atualmente são vendidos por volta de R$25 o quilo. Mesmo com esforços locais para inibir a venda em mercados públicos, a carne continua sendo encontrada nas casas de atravessadores.
“Peixes-boi são animais essenciais para o balanço do ecossistema de rios e floresta. Esses mamíferos herbívoros se alimentam de plantas aquáticas e semi aquáticas, ajudando no controle do crescimento excessivo dessas plantas nos rios e lagos. Isso mantém o equilíbrio dos ecossistemas aquáticos. A presença e a saúde da população de peixe-boi são indicadores importantes da qualidade do ambiente aquático. Se eles estão em declínio, isso pode sinalizar problemas ecológicos que precisam ser abordados”, explica Dra. Vera da Silva, Diretora do Laboratório de Mamíferos Aquáticos do INPA.
Até o momento, a polícia ainda não identificou os autores da morte dos dois peixes-boi e segue com a investigação. A população local se mostra indignada com o crime e à favor de uma maior fiscalização. “Eu como morador daqui, nato de Coari, fico muito triste em ver essa situação. O que eu peço é que as pessoas denunciem os que estão fazendo isso. Essa espécie está ameaçada de extinção e o dinheiro que ele [um caçador] ganha fazendo isso não vai sustentar a família dele para o resto da vida, mas prejudica a todos nós. Só através de denúncia que a gente pode combater esse crime” declara Rosisérgio dos Santos, Comandante da Brigada de Incêndio de Coari.
Próximos Passos
A Sea Shepherd Brasil e parceiros locais continuarão a monitorar a região, aumentar as equipes de campo e coletar dados que possam embasar ações mais incisivas contra a caça ilegal. Na sexta-feira, 27 de setembro, a organização, juntamente com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), enviou um ofício às autoridades, solicitando um aumento na presença de fiscalização e a implementação de estratégias para conter a intensificação dessa prática predatória.
Atuação da Sea Shepherd Brasil
A Sea Shepherd Brasil atua na região desde 2021, com a “Expedição Boto da Amazônia”, que documenta a população de golfinhos de rio em diversos pontos do Rio Solimões. Nos últimos três anos, a organização tem trabalhado em conjunto com institutos de pesquisa e órgãos ambientais para proteger botos e peixes-boi, ambos ameaçados pela caça ilegal, em especial durante períodos de seca.
Em 2023, durante a crise de seca, a Sea Shepherd Brasil registrou 32 partes de peixes-boi mortos em áreas de acesso facilitado pelo baixo nível do rio. A organização tem se dedicado à coleta de evidências, conscientização local e apoio à fiscalização, atuando diretamente no combate à caça ilegal desses animais emblemáticos da Amazônia.