Comentário de Geert Vons, Diretor da Sea Shepherd Holanda
A cada ano, o Japão emite uma autorização especial para a sua própria frota baleeira, a fim de justificar a morte de cerca de mil baleias nas águas da Antártida para os chamados fins de pesquisa científica. Esse país não está em conformidade com diversas normas legais da Comissão Internacional da Baleia (CIB), e isso faz a Austrália querer que ele cesse o programa “científico” JARPA II.
A primeira audiência começou no Tribunal Internacional de Justiça de Haia, no dia 26 de junho: Caça às baleias na Antártida (Austrália contra Japão; com intervenções da Nova Zelândia). A Austrália abriu a apresentação com vários argumentos e fatos fortes. Eu havia sido avisado de que assistir a um processo judicial poderia ser muito chato, mas eu acho que eu presenciei uma exceção à regra: os australianos fizeram um bom trabalho, delineando os pontos essenciais nesta disputa delicada sobre a caça às baleias na Antártida.
Havia dois pontos principais a abordar: primeiro, se o programa japonês JARPA II pode ser considerado como de pesquisa científica; segundo, se as licenças especiais emitidas pelo Japão para a matança científica de baleias estão de acordo com os regulamentos da CIB. A resposta curta para os dois pontos é não, já que, de acordo com a Austrália, matar o objeto de estudo não deve ser a primeira opção.
O foco de atenção é o artigo 8º da Convenção Internacional para a Regulamentação da Pesca da Baleia, da CIB, de 1946. Existem regras importantes para a interpretação deste artigo, e não cabe aos países-membros da comissão interpretá-lo ao seu bel prazer. Com base no princípio da boa-fé, foi acordado por esses membros que, em determinadas situações, é aceitável emitir uma autorização especial para a matança científica de um número limitado de baleias, e somente quando isso for inevitável. A autorização deve ter um caráter muito excepcional e somente permitir a morte de um número muito pequeno de baleias. As condições para essa autorização são bastante claras: um programa de caça científica objetivo, com uma data de término especificada e em consonância com as políticas de conservação existentes. Deve haver um objetivo bem definido e alcançável, com uma hipótese passível de testes, e os conhecimentos adquiridos devem contribuir para a conservação e gestão das baleias.
O programa japonês não cumpre nenhum dos critérios mencionados acima. Os programas ditos científicos JARPA e JARPA II compreendem métodos e escalas predeterminados, e têm objetivos científicos muito gerais. O comitê científico da CIB sempre foi muito crítico em relação às licenças de caça japonesas. Em 2005, pouco antes do JARPA II começar, 63 cientistas da comissão queriam avaliar o primeiro programa antes de comentar sobre a proposta de início do segundo (o qual o Japão começou logo após o primeiro, mesmo sem a avaliação).
O JARPA II é meramente um programa de matança. Depois de 18 anos, e de matar 7 mil baleias durante o primeiro programa, o Japão dobrou os “números de amostragem” para o segundo sem uma razão científica convincente para isso. A amostragem parece resumir-se apenas a encontrar e matar baleias. Os japoneses não conseguem explicar como esta coleta de partes do corpo dos animais contribui para o nosso conhecimento e compreensão do ecossistema da Antártica, sendo o objetivo do programa a investigação.
O Japão se recusa a dar a devida atenção a todos os pedidos e sugestões da CIB. Em várias ocasiões, a comissão até pediu ao país que fornecesse detalhes específicos e resultados concretos dos dois programas, incluindo critérios detalhados (para os critérios de pesquisa adequada isso é uma exigência, não uma opção), a relevância dos resultados (os resultados contribuem para o nosso conhecimento?), a razão para o uso de métodos letais em vez de métodos não letais (a matança de baleias só é aceita em condições muito especiais e limitadas), etc.
O JARPA II é um programa isolado que não está integrado com qualquer outra pesquisa, nem no Japão, nem em qualquer outro país. Quão especial é uma autorização especial para a morte inaceitável de um grande número de baleias, quando emitida ano após ano e por um período ilimitado? A única e verdadeira limitação parece ser a capacidade de congelamento e armazenamento de carne de baleia comestível do navio-fábrica Nisshin Maru.
O Japão nunca concordou com uma revisão periódica, por parte de pares independentes, dos resultados dos programas, já que a submissão a um exame minucioso por parte da comunidade científica faz parte das boas, incontroversas e geralmente aceitas regras da ciência.
A dita pesquisa japonesa tem uma abordagem muito arbitrária e sem escrúpulos, a matança de baleias é pré-requisito e há uma completa ausência de revisão por pares. A escala do JARPA II é ridiculamente grande, e o Japão é responsável por 95 por cento de toda a matança científica de baleias. Técnicas não letais existem, mas o país não quer sequer considerar essa alternativa quando se trata de sua chamada pesquisa científica. O Japão está ciente, e faz mesmo o uso de técnicas não letais em outras áreas, mas, novamente, quando se trata de caça às baleias…
No período de caça comercial antes da moratória de 1986, quase nenhuma autorização especial foi emitida para efeitos de caça científica. As estatísticas mostram o enorme aumento de tais licenças a partir de 1986 pelo Japão (antes desse ano, não havia nenhuma necessidade de pedir uma autorização especial, já que a caça comercial de baleias era permitida). O Japão votou contra a moratória e foi só sob pressão dos EUA que ele a aceitou – contanto que ninguém interferisse em outras atividades baleeiras. E foi aí que a chamada caça científica começou. As áreas exatas de caça do período antes da moratória se tornaram “áreas de pesquisa”, e a matança virou “coleta de amostras”.
Nas oito temporadas do JARPA II, o Japão nunca informou a CIB ou pediu a aprovação de uma autorização especial antes de já ter emitido tal autorização. Parece que, repetidamente, o Japão não tem a menor intenção de ouvir qualquer pedido ou sugestão do comitê científico da CIB ou de qualquer outro cientista independente. Ele alega que se trata de uma “diferença de opinião” ou que “não é da sua conta”, e até mesmo acusou a comissão de ser politicamente motivada e de agir com base na “tirania da maioria”.
A base para qualquer tratado é a exigência do princípio da boa-fé e da obrigação e vontade de cooperar. Parece muito claro que o Japão tem uma opinião muito particular sobre a forma de interpretar o artigo 8º da Convenção Internacional para a Regulamentação da Pesca da Baleia, da CIB, de 1946.
O ecossistema antártico é supostamente o objeto de pesquisa dos programas JARPA. Então, como o a matança de três espécies de baleias, como técnica única de pesquisa, nos ajuda a entender o ecossistema antártico? Por que a morte de três espécies de baleias é pré-requisito? As quotas nunca são cumpridas, mas isso não parece importar para os resultados do programa de caça. As baleias jubartes estão na lista, mas nunca foram mortas. Isso não parece importar tanto, e no ano seguinte, o mesmo número de jubartes é listado. O número de navios baleeiros foi reduzido, as estações baleeiras foram reduzidas, mas isso não parece também ter tido qualquer consequência sobre o programa de pesquisa científica.
Se não importa quantas amostras são coletadas, qual é a razão por trás dessa chamada pesquisa científica, afinal? É o fato de que o Nisshin Maru, navio-fábrica da frota japonesa, só pode processar baleias de cerca de 18 metros de comprimento, o que significa que as baleias fin são excluídas do programa? Do ponto de vista científico, é absolutamente impossível levar os chamados programas científicos japoneses a sério. Como descrito acima, eles simplesmente não fazem qualquer sentido.
A Sea Shepherd levou dez anos e nove campanhas antárticas para que o JARPA e o JARPA II recebessem a atenção do mundo no Tribunal Internacional de Justiça de Haia.
Parece que o Japão está convencido de que ninguém tem o direito de revogar suas decisões. Estou ansioso para o resultado do julgamento.
Traduzido por Maiza Garcia, voluntária do Instituto Sea Shepherd Brasil