Editorial

“Caça científica de baleias” se transforma em “caça cultural”

Comentário pelo Capitão Paul Watson

Paul Watson, agindo como observador, durante a Operação Tolerância Zero. Foto: Tim Watters

A decisão final da Corte Internacional de Justiça de Haia sobre o caso da Austrália contra a caça japonesa no Santuário de Baleias do Oceano Antártico pode ter conseqüências terríveis, que vão muito além da questão da caça às baleias.

O Japão está alegando que eles não precisam justificar a “pesquisa científica” e que a Corte Internacional de Justiça não tem jurisdição sobre as suas atividades em águas internacionais. Eles estão alegando que esta é uma questão cultural, e que o mundo não tem o direito de ditar para o Japão o que eles chamam de sua “cultura alimentar”.

O Japão sabe muito bem que eles não vão ser capazes de justificar a matança de baleias como ciência.

Eles argumentam direito cultural, soberania, liberdade do mar, e eles vão alegar que nenhuma outra nação ou organismo internacional tem o direito de contestar a sua exploração do commons.

A velha fachada de “caça científica” está agora se transformando em novas fachadas de “caça cultural”, dando a entender que qualquer oposição a esta nova definição será vista como racismo e insensibilidade cultural.

Se o Japão prevalecer com esse argumento, terá consequências desastrosas não só para as baleias, mas para todo o oceano vivo. Ele vai abrir as comportas às demandas por outras nações para exercer os seus “direitos” de explorar espécies e recursos marinhos.

Temos visto o que a exploração irrestrita tem feito para muitas espécies. O colapso comercial da pesca do bacalhau na ilha da Terra Nova é um caso em questão. Na pesca do bacalhau as nações definem suas próprias quotas individuais, sem levar em conta as quotas fixadas por outras nações.

Ela é chamada de “Tragédia dos Commons“. As frotas espanholas sabiam que elas estavam pescando bacalhau em excesso, e que os números estavam em declínio, mas sua posição foi a de que, se não levasse o peixe, Canadá, Rússia, Portugal e Cuba, e outros, levariam. No final, eles mataram a galinha dos ovos de ouro em sua busca para obter os ovos de ouro.

Os europeus e os africanos estão fazendo o mesmo hoje com pescarias comerciais europeias e asiáticas de anchova e atum, estão saqueando as costas da África, em um frenesi de pirataria para extrair a maioria dos peixes o mais rápido possível.

Cerca de noventa milhões de tubarões são mortos a cada ano, principalmente por suas barbatanas, para suprir a demanda “cultural” da China.

Com um colapso da pesca, outra espécie é alvo de exploração.

Eu costumava brincar que um dia seremos reduzidos a comer água-viva, e depois, alguns anos atrás, em um evento patrocinado pelo Aquário de Vancouver, eu testemunhei chefs fazendo salada de água-viva.

Nenhuma espécie no oceano parece ser imune à predação humana. A indústria está colhendo plâncton como fonte de proteína barata de alimentação para o gado. Existem mercados de pepinos do mar, lesmas do mar, barbatanas de tubarão, ovos de tartaruga, e o que os humanos não comem eles exploram para diversão, como a captura ao vivo de dezenas de milhões de peixes de recife a cada ano para a indústria do aquário das casas.

A humanidade está comendo os oceanos vivos

Para agravar este excesso, está o fato de que cerca de 40% da vida marinha extraída do mar não é consumida diretamente por seres humanos, mas em vez disso, é para alimentação de gado, porcos, galinhas, salmão doméstico, cães e gatos. A matança de baleias-fin ameaçadas na Islândia está agora sendo feita para fornecer alimentos para cães, para a indústria pet japonesa. Galinhas agora estão comendo mais peixe do que papagaios-do-mar e albatrozes. Os porcos estão comendo mais peixe do que tubarões e atum. Estamos alimentando atum e salmão para gatos.

Abate de baleia-minke, que o Japão agora chama de "caça cultural". Foto: Glenn Lockitch

Mesmo a sobre-exploração de algas está tendo um efeito devastador, pois elimina essa importante fonte de nutrientes dos ecossistemas marinhos.

E em troca do que tiramos, nós despejamos centenas de milhões de toneladas de plástico, óleo, produtos químicos e resíduos nucleares nos mares.

Esta é a loucura da humanidade que está devastando nossos oceanos por décadas, e esta loucura vai ser acelerada se o Japão prevalecer com seus argumentos em Haia.

Durante anos, as equipes da Sea Shepherd têm testemunhado as operações da frota baleeira japonesa no Santuário de Baleias do Oceano Antártico. O que temos assistido não é ciência, é uma matança comercial e uma operação de embalagem de carne. Em janeiro deste ano, uma baleia-minke foi trazida a bordo e “processada” dentro de 40 minutos. Não houve cientistas que pudessem ser observadas no convés, apenas os trabalhadores do matadouro, focados no corte da baleia. Toda a operação foi indistinguível do processamento descaradamente comercial de baleias pela Islândia.

Existe a possibilidade também de que, se o Japão ganhar seu caso em Haia a pretexto de “caça científica”, o Japão vai proclamar abertamente seu “direito” de levar o que quiserem, seja baleias, atum, ou qualquer outra espécie.

Há quatro resultados possíveis para o julgamento em Haia. O primeiro é que a Austrália vai vencer, e o Japão se compromete a não retornar ao Oceano Antártico para o abate de baleias. O segundo é que a Austrália vai vencer, e Japão certamente volta para o Oceano Antártico, apesar do veredicto. O terceiro é que o Japão vai vencer e irá retornar ao Oceano Antártico e, provavelmente, vai intensificar suas operações. E a quarta possibilidade é que Haia vai encontrar uma solução “diplomática”, reconhecendo a validade de ambas as nações e, essencialmente, não tomando uma decisão, o que vai levar a situação de volta para onde tudo começou, a manutenção do status quo da caça mascarada pelo Japão como “caça científica”.

A Sea Shepherd Austrália está preparada para retornar ao Oceano Antártico para, mais uma vez, e pelo décimo ano, defender as baleias ameaçadas de extinção e protegidas no Santuário de Baleias do Oceano Antártico, e os navios vão para o Sul, se o Japão decidir ir para o Sul.

“Nós não vamos abandonar as baleias”, disse o diretor da Sea Shepherd Austrália, Jeff Hansen. “O Japão tem matado baleias em um santuário de baleias internacionalmente estabelecido, e vamos defender esse santuário. O mundo não pode atirar as palavras “santuário de baleias” em um gráfico e proclamá-lo protegido. Proteção implica em aplicação, e como pastores, temos a intenção de defender o nosso rebanho. Estas não são baleias do Japão, é a nossa causa comum global para protegê-las.”

A frota da Sea Shepherd está atualmente em Williamstown, perto de Melbourne, na Austrália. A Sea Shepherd tem dois assentos reservados no tribunal da Corte Internacional de Justiça em Haia, na Holanda. A campanha do Oceano Antártico para 2013/2014 é chamada de Operação Sem Piedade, e é um projeto organizado e liderado pela Sea Shepherd Austrália, sob a direção de Jeff Hansen e Bob Brown.

Traduzido por Raquel Soldera, voluntária do Instituto Sea Shepherd Brasil