A Portaria Interministerial da Extinção do Tubarão

Nota Oficial da Sea Shepherd Brasil sobre a Portaria MPA/MMA nº 30/2025:
a falsa promessa de conservação na regulamentação da pesca do tubarão-azul
22 de Abril de 2025 – A Sea Shepherd Brasil vem, por meio desta nota, manifestar repúdio à Portaria Interministerial MPA/MMA nº 30, publicada em 17 de abril de 2025, que regula a permissão e estabelece medidas para a pesca do tubarão-azul (Prionace glauca) em águas jurisdicionais brasileiras e internacionais.
Você leu bem: em pleno 2025, com 37% das espécies de tubarões ameaçadas no país, e a lista crescendo rapidamente, e o tubarão-azul já classificado como quase ameaçado no mundo e vulnerável no Atlântico Sul e no Rio Grande do Sul, o governo federal inclui essa espécie entre aquelas que podem ser alvo de pesca regular — uma decisão que revela não apenas negligência ambiental, mas cumplicidade com o colapso da biodiversidade marinha.
Essa normativa representa um retrocesso disfarçado de avanço. Ao invés de proteger uma espécie em acelerado declínio, abre caminho para sua exploração comercial sob a máscara da sustentabilidade, ignorando dados científicos, desconsiderando o princípio da precaução e antecipando-se, de forma irresponsável, à conclusão de um Parecer de Extração Não Prejudicial (NDF) — requisito fundamental para exportação legal segundo a Convenção CITES.
Pior: segue incentivando o comércio e o consumo de um animal que apresenta uma elevada taxa de contaminantes, e mesmo assim, continua sendo servido em merendas públicas de escolas, hospitais e instituições públicas de todo o país, infringindo o conceito de saúde única, tão defendido pelo Governo, porém ignorado na prática.

Conservação de fachada
Desde outubro de 2024, a Sea Shepherd Brasil já havia enviado uma nota técnica oficial ao governo federal, e reforçado em reuniões em Brasília, repudiando a intenção de regulamentar essa pesca. Em resposta, o governo alegou que a portaria seria uma ferramenta de proteção adequada à espécie. Mas regulamentar a pesca não é proteger — é permitir.
Se o objetivo fosse a conservação, a medida correta seria abrir uma Portaria para restringir sua captura, como parte de um plano robusto de recuperação populacional. O que vemos é o oposto: o alvo agora é oficial.

Cadê o NDF?
O tubarão-azul foi incluído no Anexo II da Convenção CITES em 2023, o que significa que sua comercialização internacional só pode ocorrer mediante a apresentação de um Parecer de Extração Não Prejudicial (NDF) — um estudo técnico que comprove que a pesca da espécie não compromete sua sobrevivência na natureza.
Cada país signatário da CITES, como o Brasil, é responsável por elaborar seu próprio NDF antes de autorizar exportações da espécie. No entanto, o Brasil ainda não concluiu seu parecer técnico. A publicação da portaria, portanto, antecipou-se de forma irresponsável a esse processo, colocando em risco não só a legalidade da exportação, mas também a própria credibilidade da política ambiental brasileira.
E mais: aguardar a conclusão do NDF não é apenas uma exigência internacional. Trata-se de uma oportunidade crucial para que o país avalie com rigor científico se essa pesca é sustentável — não apenas do ponto de vista da exportação, mas também do impacto ambiental interno. Afinal, é preciso garantir que o consumo da espécie no mercado nacional não represente riscos à biodiversidade.
Publicar a Portaria antes da conclusão do NDF é violar o princípio da precaução. Pior: perde-se a chance de usar o NDF não só como exigência internacional, mas como uma ferramenta de proteção também para o mercado interno, onde o alto consumo de um animal potencialmente em grande risco segue sendo permitido.

Um estropo simbólico: medida ineficaz para parecer conservação
O estropo de aço é um cabo de altíssima resistência utilizado nas linhas de espinhel de superfície — técnica industrial usada para melhor eficácia na pesca de atum, principalmente para claramente direcionar à uma maior pesca de tubarões. Ao contrário das linhas comuns, o estropo impede que o tubarão arrebente a linha e escape. Seu uso aumenta drasticamente a captura da espécie.
A Portaria proíbe o estropo apenas entre 31 de outubro e 1º de janeiro, período que coincide com a baixa temporada de pesca do atum — quando a pesca de tubarões ainda é intensa. Porém fica liberado seu uso por 10 meses do ano. Trata-se de um teatro regulatório, uma medida cosmética que aparenta ser rigorosa, mas que nada os protege de fato.
Mais ainda: o estropo é exclusivo da pesca com espinhel pelágico, única modalidade autorizada pela própria Portaria. A portaria proíbe o seu uso em outras modalidades que nem sequer o utilizam — esta é uma manobra para parecer rigorosa sem gerar qualquer impacto na prática.
Cotas sem critério, fiscalização simbólica e ciência ignorada
A Portaria define cotas globais baseadas nas recomendações da ICCAT — órgão internacional de gestão da pesca de atuns e espécies similares — mas ignora os estudos nacionais atualizados sobre o tubarão-azul.
Não há dados considerados sobre áreas de berçário, maturidade sexual, nem diferenciação por sexo ou tamanho — e, ainda mais grave, ignora que os dados fornecidos à ICCAT representam exclusivamente uma parcela da frota atuneira autorizada a pescar sob suas diretrizes, atualmente composta por cerca de 80 embarcações, desconsiderando completamente as centenas de barcos brasileiros que capturam tubarões como fauna acompanhante que seguem fora desse escopo. Utilizar esses dados como base de ordenamento nacional é tecnicamente inválido. Usar determinações da ICCAT somente como referência para cotas no Brasil é impreciso, injustificável e perigoso.
E o que diz o governo sobre essa ausência de dados? Estabelece, em janeiro de 2025, a Portaria Interministerial MPA/MMA nº 24, que define as cotas anuais para quatro espécies: albacora-bandolim, albacora-branca, espadarte e tubarão-azul. Entre elas, o tubarão-azul tem a segunda maior cota de todas — 3.481 toneladas, superando inclusive espécies historicamente-alvo da pesca de atum como a albacora-branca e o espadarte. Ou seja: a espécie supostamente “acompanhante”, agora é alvo explícito — e valorizado.
Isso não é conservação. É exploração.
A Portaria também determina que os fatores de conversão de peso e tamanho utilizados no controle da cota sejam os estabelecidos pela própria ICCAT. Essa padronização é inadequada para tubarões, uma vez que a ICCAT tem como foco principal a pesca de atuns, não desenvolvendo metodologias específicas para elasmobrânquios. No Brasil, estudos acadêmicos já comprovaram a alta captura de juvenis de tubarão-azul, informação crítica que é completamente ignorada na definição desses parâmetros. A decisão de ignorar a ciência nacional em favor de um protocolo genérico é mais um reflexo da negligência institucionalizada na formulação desta portaria.
Regiões críticas como a Elevação do Rio Grande, onde juvenis da espécie são encontrados, seguem sem qualquer proteção prática. Esta portaria, na prática, é o que faltava para acelerar o colapso populacional do tubarão-azul no Brasil.
Além disso, esta Portaria de abril permite que, caso a cota não seja atingida, o valor excedente possa ser abatido até dois anos depois. Uma decisão imprudente, especialmente considerando que não temos visibilidade real sobre o volume total pescado no país. Permitir o acúmulo de cotas é apostar no escuro — e o prejuízo recai somente sobre a biodiversidade.
A exigência de observadores de bordo em apenas 5% das viagens de pesca é insuficiente e meramente simbólica. A fiscalização é sabidamente frágil — e, sem estrutura para monitorar adequadamente a atividade pesqueira, a cota será facilmente ultrapassada.
Além disso, embarcações que seguirão capturando tubarões-azuis como “fauna acompanhante” — ou seja, em pescarias direcionadas a outras espécies — não têm clareza na forma como suas capturas entram no cômputo das cotas estabelecidas. Isso cria uma brecha perigosa que favorece a subnotificação e a impunidade.

Oportunismo disfarçado de ordenamento
A Portaria estabelece a contagem da cota a partir de 1º de janeiro, quando a pesca de atum ainda não se intensificou, mas a de tubarões está a todo vapor. Resultado: a frota industrial poderá encher seus porões com tubarão azul nos primeiros meses do ano sem risco de punição, com autorização oficial.
Com isso, a frota que antes alegava capturar tubarões como fauna acompanhante agora pode direcionar seu esforço abertamente ao tubarão, lucrando em cima de uma espécie ameaçada. O tubarão azul assim vira oficialmente mais uma fonte de renda de uma rica frota industrial às custas da extinção de espécies e a destruição do oceano.
Essa decisão só beneficia a frota atuneira do Brasil.
Monitoramento fadado ao fracasso
Ao transformar essa pesca em “regulamentada”, esta enfraquece os mecanismos de fiscalização. A portaria baseia todo o sistema de monitoramento na autodeclaração das empresas, via Mapas de Bordo e Declarações de Entrada. Na prática, isso significa que espécies ameaçadas podem ser facilmente classificadas como ‘tubarão-azul’ durante o desembarque, principalmente quando os indivíduos chegam sem cabeça — o que impossibilita a identificação precisa a olho nu e viabiliza a manipulação intencional de dados.
Além disso, ao mesmo tempo descriminalizar determinados comportamentos de pesca e delegar tal responsabilidade de reportar irregularidades a um órgão que já opera em situação crítica de subfinanciamento e sobrecarga funcional, que é o caso do IBAMA, é mais uma forma de simular controle onde, de fato, não há capacidade operacional para exercê-lo. Importante lembrar que esta mesma frota foi envolvida na apreensão de mais de 27 toneladas de barbatanas de tubarão em 2023, em uma das maiores ações ambientais de proteção ao tubarão azul no mundo. A Portaria agora permite que tenha esta frota atuando com carta branca. O que antes era flagrante descumprimento à conservação da espécie, agora pode ser legalizado.
Somente a total proibição da pesca e comércio, e o controle deste cumprimento, pode assegurar melhores medidas de fiscalização e a devida proteção da espécie.

Medidas preventivas eram possíveis — e deveriam ser mais ambiciosas
O Brasil não precisava regulamentar a pesca para proteger a espécie. Ao contrário, poderia ter adotado medidas verdadeiramente preventivas, como:
- Suspensão da pesca e comercialização até que se conclua o NDF;
- Proibição permanente do estropo em espinhel;
- Limite de carga de tubarão azul nos esforços de pesca da frota de atum;
- Cotas possíveis de ser monitoradas e fiscalizadas e encaminhamento à proibição de seu comércio;
- Criação de áreas de exclusão e períodos de defeso;
- Ampliação da cobertura de observadores.
Importante recordar que o Brasil não apoia a pesca de tubarões, porém segue não sendo ouvido. Segundo estudo comissionado pela Sea Shepherd Brasil ao instituto independente de pesquisa HSR Research em 2023, 68% dos brasileiros são contra a pesca de tubarões no país.
Contaminação do tubarão-azul e riscos à saúde pública
Estudo publicado pela Fiocruz em 2024 (Hauser-Davis et al. 2024) comprova que a carne do tubarão-azul possui níveis alarmantes de metais pesados: mercúrio, arsênio, chumbo e cádmio. O risco toxicológico é gravíssimo, principalmente para crianças, gestantes e populações vulneráveis que podem estar consumindo frequentemente este alimento.
Apesar disso, o tubarão-azul continua sendo vendido no Brasil sob o nome genérico de “cação”, sendo servido em escolas, hospitais e outros ambientes públicos de maneira rotineira e frequente — sem qualquer aviso sanitário ou identificação da espécie. Esta portaria legitima e incentiva essa prática. É um atentado à saúde pública e aos direitos sociais do brasileiro comum.

Ação Civil Pública: pela conservação, não pela exploração
Em dezembro de 2024, a Sea Shepherd Brasil ajuizou uma Ação Civil Pública ambiental com pedido de liminar, denunciando:
- A omissão na identificação de espécies vendidas como “cação”;
- A proximidade alarmante do colapso populacional de espécies como o tubarão-azul;
- A violação do direito à saúde e à informação do consumidor;
- A ausência de políticas públicas de proteção, substituídas por permissões de exploração econômica.
Os órgãos públicos, incluindo o Ministério da Pesca e o Ministério do Meio Ambiente, seguem ignorando os pedidos da ação, que aguarda decisão na 11ª Vara Federal de Curitiba. Esperamos que o Judiciário atue com justiça diante do colapso ecológico que esta portaria representa.
Revogação imediata!
A Sea Shepherd Brasil reitera sua oposição veemente à Portaria MPA/MMA nº 30/2025 e solicita sua revogação imediata até que:
- O NDF do tubarão-azul seja concluído com base em ciência e transparência;
- Um plano nacional de conservação para esta espécie seja de fato implementado;
- O princípio da precaução seja respeitado como preconiza a Constituição.
Mesmo diante da iminência da extinção, o Brasil escolhe seguir o caminho da permissividade. Enquanto o mundo clama por regeneração e responsabilidade, o Brasil segue com esta promessa somente na fala: nosso país institucionaliza a destruição de mais uma espécie de tubarão essencial para o balanço dos serviços ecossistêmicos do oceano.
Esta não é uma portaria. É uma certidão de extinção assinada pelo Estado brasileiro.
O que você pode fazer a respeito?
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O futuro do tubarão-azul — e de tantas outras espécies de tubarão ameaçadas — depende da nossa capacidade de dizer basta. A Sea Shepherd Brasil convida cada brasileiro que se recusa a assistir em silêncio à extinção silenciosa do oceano a assinar a petição que apoia a nossa Ação Civil Pública que exige ao Governo a fazer mais pelos tubarões.
Com ela, podemos pressionar o governo federal a revogar esta portaria e a adotar medidas reais de conservação. Não é apenas pelos tubarões — é por nós, por um país que honra sua responsabilidade ambiental, e por um oceano vivo para as futuras gerações.

Referências Técnicas
Portaria INTERMINISTERIAL MPA/MMA nº 30, de 17 de abril de 2025.
Portaria INTERMINISTERIAL MPA/MMA nº 24, de 29 de janeiro de 2025.
Barreto, R. R. P. (2015). História de vida e vulnerabilidade de tubarões oceânicos (Elasmobranchii) do Atlântico Sul. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Recursos Pesqueiros e Aquicultura, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Recife. 165 páginas.
Projeto PROTUNA. (2022). Relatório Final – Projeto de Apoio Técnico-Científico ao Desenvolvimento da Pesca de Atuns e Afins no Brasil (Chamada MCTI/MPA/CNPq 22/2015). Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Recife, dezembro de 2022. 472 páginas.
Hauser-Davis, R.A. et al. (2024). The global issue of metal contamination in sharks, rays and skates and associated human health risks. Ecotoxicology and Environmental Safety, v.288. [DOI:10.1016/j.ecoenv.2024.117358]
Ação Civil Pública Ambiental – Sea Shepherd Brasil, 2024. 11ª Vara Federal de Curitiba.
Documento Técnico de Resposta à Minuta da Portaria – Sea Shepherd Brasil, Outubro de 2024.
Alvarenga, M. et al. (2024). Fifteen years of elasmobranchs trade unveiled by DNA tools: Lessons for enhanced monitoring and conservation actions. Biological Conservation v. 292 April 2024, [DOI:10.1016/j.biocon.2024.110543]