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Sea Shepherd Brasil na UNOC3

Nathalie Gil, presidente da Sea Shepherd Brasil, Capitão Paul Watson e Sylvia Earle na UNOC3

A vida marinha exige coragem política: os acordos da 3a Conferência pelo Oceano são só o começo. A batalha agora é pela sua implementação real, pela justiça à biodiversidade marinha e por uma maior proteção integral do oceano.

Nice, França – 13 de Junho de 2025 – Durante a 3ª Conferência da ONU sobre os Oceanos (UNOC3), realizada em junho de 2025 em Nice, nós da Sea Shepherd Brasil estivemos presente ao lado do Capitão Paul Watson, da Sea Shepherd França e da Fundação Capitão Paul Watson. Participamos juntos de uma intensa agenda com autoridades ambientais, representantes governamentais, líderes da sociedade civil e parceiros de tecnologia, para fortalecer compromissos reais com a vida no oceano.

A maior conquista da conferência foi a ratificação formal do Tratado do Alto-Mar (BBNJ – Biodiversity Beyond National Jurisdiction), agora com 56 países já tendo depositado seu instrumento de ratificação, 6 Estados com seus processos de ratificação concluídos e mais 12 Estados em processo de obtenção da ratificação — como é o caso do Brasil. Este tratado é responsável por gerir 64% do oceano – ou 50% da superfície do planeta – e, portanto, se bem implementado, é crucial para endereçar um enorme ponto cego na gestão ambiental global.

Pela primeira vez desde 1972, segundo o próprio Capitão Paul Watson, uma conferência da ONU realmente resultará em uma mudança concreta. A partir de agora, os esforços devem se voltar à sua implementação efetiva, garantindo que o tratado não seja apenas simbólico, mas aplicado com vigilância e coragem pelos países signatários. A implementação do BBNJ em janeiro de 2026 e a realização, ainda no mesmo ano, da COP1 Pelo Oceano — conferência entre partes focada na implementação deste acordo — será o seu primeiro passo.

Nathalie Gil, presidente da Sea Shepherd Brasil, Capitão Paul Watson e a Ministra Marina Silva, na UNOC3 em Nice

Outra pauta importante tratada na conferência foi a mineração em águas profundas. Diversos países reiteraram sua oposição à liberação dessa prática, e o Brasil, com sua atual moratória de 12 anos, mantém-se como um exemplo prudente. Ainda que saibamos muito pouco sobre os impactos da mineração em alto-mar, o que já sabemos é suficiente para afirmar: seus danos são profundos, irreversíveis e incompatíveis com qualquer visão de futuro onde a vida marinha tenha lugar.

Houve outros avanços simbólicos e inspiradores. Enquanto países seguem com seus compromissos de proteger, em algum nível, 30% de suas áreas até 2030, a Polinésia Francesa anunciou que 100% de suas águas estarão sob algum tipo de proteção, com o compromisso de estabelecer a maior área de proteção integral do mundo, com inéditos 1.100.000 km² de área (quase o tamanho do estado do Pará). É uma reversão de paradigma que deveria inspirar o mundo: proteger todo o oceano, com exceção de áreas específicas destinadas a usos humanos de baixo impacto — e não o contrário. Nossa busca é para que esta decisão simbólica se estenda para regiões de grande intensidade pesqueira, incluindo áreas além da jurisdição dos países.

O Brasil, por sua vez, reiterou seu compromisso com a meta global de proteger 30% do oceano até 2030. A Sea Shepherd Brasil lembra que essa meta deve ser entendida como proteção integral, não como zonas abertas à exploração econômica. Atualmente, apenas cerca de 3% do oceano brasileiro conta com proteção real. Nosso compromisso é pressionar para que o país eleve sua ambição a pelo menos 10% de proteção integral no curto prazo, e trilhe um caminho rumo aos 30% de áreas de proteção integral focadas em regiões de alta importância para a biodiversidade e os ecossistemas, alinhado às melhores práticas globais.

Também foi trazida a urgência de combater a sobrepesca, a pesca ilegal, não reportada e não regulamentada (IUU), e práticas altamente destrutivas de pesca, particularmente a de arrasto de fundo. Países como o Reino Unido, que anteriormente permitiam a prática de arrasto de fundo em 97% de suas áreas “protegidas”, anunciaram medidas para restringi-lo nestas áreas, finalmente começando a alinhar o discurso à realidade. A Dinamarca também declarou o banimento da prática em sua ZEE (Zona Econômica Exclusiva). São decisões como essa que marcam a diferença entre proteger de fato ou apenas no papel. É necessária, porém, a garantia de que estes países seguirão com seus planos, e que não substituirão este banimento para realizar de forma mais intensiva outras atividades pesqueiras industriais. Ainda, é necessário expandir esta decisão para os países que mais contribuem com esse impacto, como os EUA e a China, e garantir a aplicação dessas leis com rígida fiscalização nacional e internacional.

Nathalie Gil, presidente da Sea Shepherd Brasil, e o Almirante Marcos Sampaio Olsen, da Marinha do Brasil

Durante o evento, Paul Watson e Nathalie Gil se reuniram com Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e também dialogaram com a primeira-dama do Brasil, Janja Lula da Silva, com o Almirante Marcos Sampaio Olsen, da Marinha do Brasil, com o Presidente da COP 30, André Corrêa do Lago, entre outros membros da delegação do Governo. Paul Watson também conversou com outras lideranças mundiais e, de maneira emblemática, realizou uma entrevista exclusiva ao vivo com o presidente francês Emmanuel Macron, transmitida para cerca de 4 milhões de pessoas, discutindo os principais desafios para o oceano.

Nas visitas com a delegação brasileira, Nathalie Gil e Paul Watson reforçaram os temas prioritários para o país. Entre eles, a urgência de colocar a biodiversidade no centro das decisões sobre o oceano, com destaque para os tubarões – o grupo marinho mais ameaçado de extinção. O Brasil, infelizmente, é o maior consumidor de tubarões do mundo, muitas vezes sob o nome genérico de “cação”. Houve o agradecimento à Ministra Marina Silva pela decisão de revogar a Portaria que autorizava a pesca industrial direcionada de tubarão-azul, com a esperança de que uma nova portaria com foco real na conservação seja construída. Também foi solicitado ao Brasil que ativamente se posicione a favor da implementação do Santuário da Antártica e, como líder dos BRICS, convença a China e a Rússia a fazerem o mesmo, assegurando a preservação de um ecossistema vital e vulnerável. O Brasil se posicionou positivamente frente a essa agenda.

Apesar dessas conquistas, a UNOC3, como tantas outras conferências multilaterais, pecou pela falta de ação concreta em muitos temas urgentes. Há um consenso geral na narrativa de que o oceano é parte vital da vida na Terra e no combate climático, com palestras ecoando que “se o oceano morre, nós morremos”; porém, as soluções apresentadas seguem aquém do necessário para responder a esse diagnóstico grave e urgente.

É necessário apresentar soluções reais para o combate à sobrepesca e à pesca ilegal, não reportada e não regulamentada, além de soluções para a defesa da biodiversidade e para resolver a dissonância entre tratar a vida selvagem marinha como recurso e a vida selvagem terrestre como algo a ser protegido. É fundamental também que haja uma meta concreta para a implementação de áreas de proteção integral, entre outros compromissos mais ambiciosos pela defesa do oceano. 

A Sea Shepherd Brasil segue com os pés no chão e os olhos no mar: consciente de que não haverá uma verdadeira transformação — nem regeneração dos mares — sem a defesa radical da vida marinha. Também continuará em ação direta, em vigilância política e em aliança com parceiros para garantir que o oceano não seja apenas uma ambição de recuperação, mas uma realidade viva.