Editorial

A grande discussão sobre a pesca

Comentário por Steve Roest, CEO da Sea Shepherd

pescaA série televisiva do Canal 4, The Big Fish Fight, é atualmente a notícia estampada nas primeiras páginas no Reino Unido. O chef e celebridade Gordon Ramsay virou notícia após a sua breve visita a caçadores de barbatana de tubarão na Costa Rica, durante a qual ele teria sido coberto de gasolina e apontado uma arma para acompanhar o comércio ilegal. Na mesma série de TV, Hugh Fearnley-Whittingstall investigou a prática de descarte, em que os pescadores são obrigados pelas regras da Comissão Européia a jogar fora peixes em perfeitas condições, capturados acidentalmente, que estejam fora de suas cotas, enquanto prosseguem na pesca das espécies que tenham cotas. Fearnley-Whittingstall navegou a bordo de um arrastão, um barco de pesca que opera redes de arrasto e que pega uma seleção totalmente aleatória de peixes nas redes arrastadas no fundo do mar. Note que no ano em que os registros começaram, em 1889, capturamos 4,3 vezes mais peixes na Inglaterra e País de Gales do que pescamos hoje de uma frota composta por barcos a vela, principalmente de pequeno porte.

Infelizmente, também neste programa de TV, vencedor de vários prêmios, o renomado chef Hester Blumenthal realiza um espetacular objetivo pessoal escolhendo cozinhar peixe lobo (wolffish). O peixe lobo (Anarhichas lupus), também conhecido como lobo do mar, diminuiu cerca de 96% nas peixarias da Inglaterra e de Gales desde 1889. Esta espécie é particularmente vulnerável à sobrepesca, e tem sido tão esgotada do outro lado do Atlântico, que já foi declarada em risco de extinção nas águas canadenses. Este nível de declínio na Europa é suficiente para qualificar a espécie na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza.

Será que esses chefs celebridades se preocupam com a sustentabilidade do peixe que cozinham, ou realmente só importa o seu próprio lucro e fama?

É fantástico que a mídia, finalmente, tenha reconhecido a violação e a destruição em massa que ocorre a cada segundo, a cada dia, em cada um dos nossos oceanos. O presidente e fundador da Sea Shepherd Conservation Society, o Capitão Paul Watson, poderia nos ter dito isso nos últimos 40 anos, mas hei, nós estamos falando sobre isso agora, então é melhor que seja tarde do que nunca… espero.

O único problema é que, enquanto os governos discutem as cotas e as práticas de pesca, e chefs discutem qual peixe eles ainda podem cozinhar e servir “sustentavelmente” em seus restaurantes cinco estrelas, temos especialistas e cientistas marinhos de todo o mundo pintando um quadro verdadeiramente assutador, mas realista:

“As espécies têm desaparecido dos ecossistemas marinhos, e esta tendência tem sido recentemente acelerada”, disse o autor e cientista marinho especialista, Boris Worm. “Agora começamos a ver algumas das consequências. Por exemplo, se esta tendência continuar a longo prazo, projeta-se que todas as espécies de peixes e mariscos entrarão em colapso com meu tempo de vida – em 2048”. Worm é um professor adjunto de biologia da conservação marinha na Universidade Dalhousie, em Halifax, Canadá.

“Neste momento,” Worm continuou, “29% das espécies de peixes e frutos do mar entraram em colapso – isto porque a sua captura diminuiu 90%. É uma tendência muito clara, e está acelerando. Nós não temos de usar modelos para entender essa tendência”.

Estima-se que 90% dos grandes peixes predadores já foram extraídos de nossos oceanos, e 40 milhões de toneladas de peixes são descartados a cada ano, como capturas acidentais e indesejadas (que significa 40 por cento das capturas mundiais). Então, nós temos um esgotamento enorme e totalmente sem precedentes de peixes; a expectativa é de que haja estoque insuficiente nos oceanos em 2048 para toda a pesca comercial; e nós atualmente jogamos fora 40% do que pescamos como “indesejável”. Que fantástico e horripilante paradoxo.

A Sea Shepherd não é um grupo de direitos animais, somos uma organização de conservação, e embora eu seja vegetariano, fui criado em uma casa onde comíamos peixe uma vez por semana. Mas agora muitas pessoas comem peixe todos os dias, as famílias comem filé de peixe várias vezes por dia nos seus restaurantes de comida rápida local, o tubarão é vendido em 14 mil peixarias na Inglaterra (curiosamente rotulado como “salmão das pedras”), os grupos ambientalistas como o Greenpeace e World Wildlife Fund (WWF) debatem sobre o que é e não é sustentável, e entidades como o Marine Stewardship Council fornecem rótulos ecológicos para promover e certificar determinados tipos de peixe como ‘sustentável’, mas a verdade simples e óbvia é que muitas pessoas estão comendo muito peixe mesmo, e se não mudarmos radicalmente os nossos hábitos alimentares, vamos destruir completamente todas a população de peixes dentro de 40 anos.

Há uma palavra que descreve a situação, “quando algo não é sensato e pode ter resultados extremamente ruins”, e essa palavra é insanidade.

A forma como a população deste planeta gerencia seus recursos oceânicos é insana. Enquanto alguns debates sobre cotas e quais espécies são sustentáveis, as frotas de pesca comercial estão inexoravelmente sugando todos os seres vivos dos mares. Temos todas as provas científicas de que precisamos, podemos até mesmo olhar para nossa própria história recente – como o colapso da pesca do bacalhau de Grand Banks, nos anos 90 – para ver a verdade no nosso comportamento… insanidade.

O que devemos fazer? Bem, devemos parar de comer peixe (ou pelo menos reduzir drasticamente o nosso consumo individual), deve haver vastas reservas no oceano marinho e áreas preservadas que cubram mais de 50% dos nossos oceanos, e as frotas comerciais devem acabar. Se não fizermos isso, não haverá recuperação para as unidades populacionais de peixe e não haverá mais nada para discutir sobre o assunto.

Como afirma de forma tão eloquente o Capitão Paul Watson: “Se os oceanos morrerem, nós morremos”. Vamos lembrar que a destruição é obra nossa, e nós podemos para-la se nós pudermos encontrar a vontade coletiva de agir.

Traduzido por Raquel Soldera, voluntária do ISSB.