Editorial

Uma odisseia pelas baleias

“Mais uma vez para a brecha, caros amigos, mais uma vez.”
— William Shakespeare, “Henrique V”

É 10 de setembro e eu estou livre da Alemanha há 50 dias.

Eu não posso dizer que isso tem sido desagradável. Na verdade, acho que não tive a oportunidade de desfrutar tanto da natureza nos últimos anos. O número de espécies que eu vi de perto durante o último mês e meio foi incrível, e para mim esse é o verdadeiro valor de se estar vivo: para ver, ouvir, saborear, cheirar e tocar o mundo natural, para estar entre golfinhos e baleias, focas e tartarugas, aves e peixes, para conhecer o que está acima, sobre e abaixo desse berço de vida grande e misterioso que conhecemos como o mar.

E também para ver as estrelas à noite, naquela faixa larga e infinita de luz brilhante que vem do passado e pisca misteriosamente, os meteoros flamejantes que se transformam em poeira no céu, o clarão verde do sol enquanto mergulha no mar, o aguaceiro que lava os conveses com a seiva cristalina da Terra.

Às vezes esquecemos aquilo que defendemos, e é revigorante ser lembrado sobre o porquê disso tudo, sobre o que realmente conta, o que realmente importa.

Foi um mês triste para mim devido à perda do meu amado irmão Stephen. Lamento não ter sido capaz de comparecer à cerimônia em sua homenagem, mas quando nós nos falamos, eu fiquei muito impressionado com a sua falta de medo, o seu otimismo incrível e o seu amor pela família e pelo mundo. Meu irmão sempre foi e sempre será uma grande inspiração para mim. Ele me pediu para levar suas cinzas para a Antártica e eu pretendo fazer isso.

Stephen era um artista, e esse é um tipo especial de guerreiro.

A Operação Tolerância Zero está acontecendo de acordo com o cronograma, graças à liderança excelente dos capitães Peter Hammarstedt, Locky MacLean, Alex Cornelissen, Malcolm Holland e Sid Chakavarty, e aos esforços dedicados de todos os oficiais e tripulantes dos navios e da equipe terrestre de voluntários ao redor do mundo. Todos estão trabalhando para lançar nossos navios ao mar quando dezembro chegar, a fim de interceptar a frota baleeira japonesa antes do começo do abate cruel no Santuário de Baleias do Oceano Antártico.

O Steve Irwin foi muito bem recebido no Circular Quay em Sydney (Austrália), na semana passada, e agora ele está voltando para Williamstown, para os preparativos finais. O Bob Barker está em Sydney terminando seus preparativos e o Brigitte Bardot está voltando das patrulhas anticaça no Pacífico Sul.

Nossa equipe na África, sob o comando de Laurens De Groot, acaba de completar uma campanha muito bem sucedida para proteger as focas na Namíbia, e nossa campanha de defesa dos tubarões no Pacífico Sul, sob a direção de Julie Andersen, também foi finalizada com um sucesso impressionante em Fiji, Tonga, Ilhas Salomão, Vanuatu e Kiribati.

O diretor da Sea Shepherd Austrália, Jeff Hansen, juntamente com o líder da Operação Kimberly Miinimbi, Bob Brown, teve uma viagem de inverno excelente no Hemisfério Sul em direção ao Nordeste da Austrália. Lá, eles não só atraíram a atenção internacional para as ameaças da indústria de gás contra os berçários de baleias jubartes, mas também colaboraram para que a Chevron se retirasse do projeto.

Bem, você não consegue todas essas coisas sem fazer inimigos, e a Sea Shepherd tem alguns inimigos muito poderosos e com carteiras muito recheadas.

Em junho nós ganhamos nosso caso contra a empresa maltesa Fish and Fish por termos intervindo contra sua caça ilegal de atum azul. Os tribunais britânicos ordenaram que eles pagassem nossas despesas legais, e nossa fiança de 520 mil libras teria que ser devolvida. O advogado da empresa apelou da decisão dizendo: “Nós vamos pegá-lo, só precisamos continuar investindo dinheiro nisso”.

Isso significa que agora precisamos esperar até dezembro para um veredicto sobre o recurso e, claro, pagar mais taxas legais. Tudo bem, nós podemos ser pacientes.

Em março a Sea Shepherd ganhou o processo contra os baleeiros japoneses, quando os tribunais dos EUA rejeitaram a demanda por uma liminar que nos impedisse de intervir contra suas atividades ilegais no Santuário de Baleias do Oceano Antártico. Eles também recorreram, obrigando-nos a gastar mais dinheiro em taxas legais.

E há as acusações falsas contra mim por parte da Costa Rica e do Japão.

O Japão realocou 30 milhões de dólares do fundo de socorro às vítimas do tsunami para nos atacar por meio de litígio, campanhas de relações públicas e mais medidas de segurança.

Usando recursos doados e dólares de impostos, os japoneses estão empregando o litígio como uma arma. Isso não é uma surpresa. A indústria baleeira e o governo japoneses têm sido humilhados pelas atividades da Sea Shepherd, e o orgulho e a teimosia daquele país são lendários. Afinal, até hoje o Japão ainda se recusa a aceitar a responsabilidade pelo Massacre de Nanquim, continuando a insistir que as atrocidades nunca aconteceram, e, naturalmente, nunca pediu desculpas à China por esse crime horrível.

Nós reduzimos a indústria baleeira japonesa inteira a um projeto que só sobrevive devido a subsídios governamentais maciços. Também expusemos suas atividades baleeiras ilegais para todo o mundo por meio de nossas campanhas televisionadas na série Whale Wars – Defensores de Baleias. E o mais importante de todos os nossos resultados é o fato de que mais de quatro mil baleias estariam mortas agora se não fosse por nossas intervenções.

E porque essas pessoas só acreditam no dinheiro, elas realmente acham que, nos obrigando a gastá-lo, irão nos machucar. Elas veem o dinheiro como um fim em si mesmo, algo a ser perseguido, não importando o custo para a natureza, a vida e o futuro.

Nós, por outro lado, vemos o dinheiro como uma ferramenta, como o meio para chegarmos onde precisamos a fim de parar o que precisa ser parado. Dinheiro para nós é apenas um recurso para defender a vida.

Nossos inimigos não vão nos esmagar na batalha, nos tribunais ou financeiramente, porque vamos continuar a combatê-los mesmo com nada, se necessário, e de dentro de uma cela de prisão, se for preciso, mas recuar perante sua ganância cruel e sua destruição implacável é algo que nunca irá acontecer.

Então, eu posso estar em fuga, mas digo que estou bastante satisfeito com o que temos sido capazes de fazer, o que continuamos a fazer e o que pretendemos fazer.

Todos os marinheiros sabem que uma viagem é uma aventura em direção ao desconhecido, que as circunstâncias mudam e a imprevisibilidade é sempre algo que pode, com certeza, ser previsto. O perigo jaz sobre cada horizonte, sob as ondas e dentro das nuvens.

Nós navegamos por esses trajetos com três instrumentos básicos. Coragem. Imaginação. E o mais importante: paixão.

Se formos derrubados, nos reergueremos. Se ficarmos desapontados, nós prosseguiremos, e, se morrermos na busca de nossos objetivos, deixaremos um legado de inspiração.

Há uma hora e um lugar para as decisões estratégicas, e eu acredito que em algum momento estarei disponível para responder às acusações ridículas do Japão e da Costa Rica, mas, atualmente, minhas prioridades estão em ver a Operação Tolerância Zero instalada quando a Sea Shepherd retornar mais uma vez ao Santuário de Baleias do Oceano Antártico.

Os japoneses acreditam que, se me impedirem de liderar a próxima campanha, irão também parar nossos navios no retorno ao Oceano Antártico. Não vão, é claro, mas é meu dever fazer tudo o que eu puder para voltar ao meu navio almirante a fim de assumir o comando da campanha. Se eu for impedido, entretanto, a cadeia de comando dentro da Sea Shepherd dará continuidade às intervenções.

E nós voltaremos mais fortes do que nunca, mais experientes do que nunca e mais determinados do que nunca.

E para todos aqueles que querem saber onde estou, a resposta é que estou simplesmente livre e focado na preparação da Operação Tolerância Zero. A Sea Shepherd Conservation Society é uma organização global com grupos de apoio em terra em todo o mundo, e, claro, o nosso palco de operação é aquela parte do planeta coberta de água salgada, a qual também é o último reduto de liberdade verdadeira no mundo.

A Sea Shepherd é o oceano e o oceano é a Sea Shepherd, e não importa quão remota a nossa posição, quão altos e vastos os mares, quão forte e frio o vento, quão gelada a água, nós estamos em casa e também estamos seguros dentro do santuário fornecido por esse grande e misterioso manto azul cinzento do nosso oceano, o berço de toda a vida e do meio ambiente mais importante do planeta, pois se ele morrer, todos nós morreremos.

E, portanto, com o Cruzeiro do Sul a me guiar, eu pretendo me juntar à frota da Sea Shepherd, e, mais uma vez, meus camaradas estarão dentro da brecha para intervir contra e enfrentar aqueles de coração obscuro que assassinam as maiores mentes do mar.

Nós salvamos a vida de mais de quatro mil desses seres magníficos, sencientes e inteligentes no Oceano Antártico. Tenho a intenção de acompanhar a nossa defesa e proteção de outros mil.

Eu gostaria de pedir a sua ajuda para fazê-lo.

Nós temos os navios. Temos o equipamento. Temos a experiência e temos uma equipe apaixonada e corajosa de voluntários.

Nós precisamos é de combustível para nos levar lá, nos manter lá e voltarmos.

Precisamos, no total, de 1.200 toneladas de combustível para colocar nossos navios no mar, o que lhes permitiria fechar a frota japonesa pela temporada inteira de caça às baleias. Cada tonelada custa 1.250 dólares, então chegamos à soma total de 1,5 milhão de dólares.

Essa é a quantia que precisamos arrecadar, e nós podemos facilmente fazer isso se todos aqueles que se preocupam com a vida das baleias fizerem qualquer doação para esse objetivo.

Quando precisamos de 750 mil dólares para libertar o Steve Irwin dos tribunais escoceses, levantamos o valor em dez dias, porque temos uma base de apoio mundial feita de pessoas que se importam.

E porque você se importa, eu estou confiante de que podemos alcançar essa meta ao longo dos próximos dois meses. E como retorno do seu investimento nessa campanha, nós iremos devolver o dom da vida na forma de baleias vivas nadando livres no Santuário de Baleias do Oceano Antártico.

Traduzido por Maiza Garcia, voluntária do Instituto Sea Shepherd Brasil