Editorial

O peixe mais rápido no oceano, dirigindo-se à extinção

Comentário convidado de Kurt Lieber, do conselho diretor da Sea Shepherd

Photo Credit  Kim McCoy  Sea Shepherd Conservation SocietyO atum-azul é um dos peixes mais rápidos do planeta. Eles são similares em velocidade ao guepardo (ou chita). E esta velocidade é atingida por um animal que pode pesar mais de 680 quilos. O atum-azul nada em zonas temperadas dos oceanos do mundo e tem a característica única de ser um peixe de sangue quente. Isto permite que eles habitem áreas muito frias do oceano.

Poucas pessoas já os viram enquanto mergulhavam porque eles tipicamente habitam águas profundas. O Aquário de Baía de Monterey tem diversos indivíduos em uma de suas exposições, e lá você pode ver quão magníficos eles realmente são. A natureza produziu um foguete poderoso com barbatanas e brânquias. Eles podem atingir velocidades superiores a 88 quilômetros por hora, vivem mais de 30 anos e alcançam a maturidade aos 8 anos. (1) (3)

O atum-azul é um dos maiores predadores dos mares, eles podem comer qualquer coisa e viajar grandes distâncias para encontrar sua presa. Através de programas de marcação eles foram encontrados alimentando-se desde a superfície até 915 metros de profundidade.

Há três populações distintas do atum-azul:

* Atum-azul do Atlântico Ocidental (Golfo do México): Em perigo crítico
* Atum-azul do Atlântico Leste (Mediterrâneo): Em perigo
* Atum-azul do Sul (Austrália e Oceano Índico): Em perigo crítico (Risco extremamente alto de extinção na natureza)

Um lado pouco notado do efeito da diminuição do atum-azul é o aumento em números dos peixes que eles caçavam. Por exemplo, a lula Humbolt era encontrada principalmente nas águas do Pacífico ao largo do México e da América do Sul. Nos últimos anos elas expandiram seu alcance e são encontradas agora em toda a costa oeste da América do Norte até o Alasca. O atum-azul costumava manter seus números em controle. A lula Humbolt é uma devoradora voraz e está causando estragos com o desaparecimento do salmão e de outros peixes de tamanho médio. Mergulhadores estão sendo perseguidos por elas no sul da Califórnia.

É estimado que um atum-azul tem uma chance em quatro milhões de alcançar a maturidade. (1) Mas com o apetite insaciável dos humanos pela sua carne, suas chances são ainda menores que essa.

O Japão consome 80% do atum-azul pescado todos os anos. Eles  utilizam suas próprias embarcações de pesca e ainda compram das frotas pesqueiras do mundo, quer seja legalmente ou ilegalmente capturado. Um peixe foi vendido por 111.000 libras (equivalente a quantia de R$322.233,00) recentemente. Com este tipo de incentivo financeiro é impossível esperar que o senso comum reine. Governos têm se provados incapazes de por fim à esta carnificina devido a poderosa indústria pesqueira e à corrupção desenfreada.

O corpo do governo que estipula limites sobre a quantidade e locais onde o atum pode ser caçado é chamado de Comissão Internacional para a Conservação do Atum (ICCAT – “International Commission for the Conservation of Tuna”). Esta comissão é tão efetiva em regular a matança de atuns como o Departamento Canadense de Pesca e Oceanos (DFO, sigla em inglês) foi na supervisão da pesca ao bacalhau na costa de Newfoundland.

Você deve lembrar-se que a Sea Shepherd perseguiu com sucesso uma frota de arrasto cubana para fora do Grand Banks, Newfoundland, em 1994, pela qual o Capitão Paul Watson foi preso e julgado por interferir em pesca comercial. Anos mais tarde ele foi absolvido, mas era muito tarde para o bacalhau. As capturas baixaram muito devagar (1% de níveis históricos) (3) que o DFO teve que declarar pesca encerrada, dizendo que eles poderiam reabri-la em dois anos. Agora já se passaram 15 anos e a população de bacalhau ainda não se recuperou, e a pesca ainda está fechada para fins comerciais.

Carl Safina, que escreveu extensivamente sobre a situação do atum-azul em seu livro “Música para o Oceano Azul” (“Song for the Blue Ocean”), apropriadamente chamou a ICCAT de Conspiração Internacional para Caçar Todo o Atum (“International Conspiracy to Catch All Tuna”).

Apesar de repetidos avisos dos próprios cientistas, a ICCAT recusa-se firmemente a reduzir a quantidade de atum que eles permitem que seja pescado. Em sua mais recente reunião, em novembro de 2009, eles votaram a favor da captura de 13.500 toneladas de atum-azul do Atlântico. Estima-se que reste apenas 2% da população de atum de 1940. (2) Este é um trecho publicado pela Reuters após esta reunião:

“A ICCAT estima que o nível atual de pesca é três vezes maior do que deveria ser, ameaçando cortar a população reprodutora para um quinto de seu tamanho de 1970.”

O atum-azul é capturado por qualquer método de pesca imaginável: espinhel, linha e anzol, varas de pescar, redes de emalhar, redes de arrasto e redes de cerco. A população mediterrânea é uma das que estão em pior estado. Há 23 países para onde os peixem migram e cada um tem seus pescadores comerciais e de recreação perseguindo-os.

No caso do atum-azul, não há distinção entre pesca comercial e de recreação, já que mesmo os pescadores individuais vendem rapidamente suas vítimas à maior oferta, com os japoneses fornecendo um caixão de gelo e um voo rápido para o Japão.

Europeus têm caçado o atum-azul desde o Império Romano. Eles eram tão abundantes que armadilhas para peixes eram construídas no Mediterrâneo, por todo o caminho de migração. Você poderia dizer que todo o Mediterrâneo era uma grande armadilha para peixes. Havia apenas uma lacuna entre a Espanha e Gibraltar. Qualquer organismo marinho que migrasse para fora do Mediterrâneo precisava enfrentar um desafio de ganchos, redes, varas e arpões que eram estrategicamente colocados para assegurar que poucos ou nenhum peixe saísse vivo.

Isto não é trágico somente para o atum-azul do oriente, as populações do ocidente sofrem da mesma maneira. Através de rastreamento por satélite descobriu-se que as duas populações nadam juntas, fazem uma viagem de um lado para outro do Atlântico e então voltam em um ano. Então, isto significa que mesmo se a cota estipulada pela ICCAT for respeitada no Mediterrâneo (o que não acontece), eles ainda estarão capturando animais da população ocidental.

Não engane-se pensando que estas “cotas” estão sendo respeitadas. Há muita pesca ilegal e não declarada de atum-azul. Estima-se que 50% das capturas do atum-azul não sejam reportadas.

A Líbia abriu seus mais de 2.000 quilômetros de costa para mais de 200 embarcações de pesca de todas as nações que tomarão um total de 60% de todo o atum-azul capturado no Mediterrâneo: 35.000 toneladas! Os animais serão rebocados por varas de pesca (fazendas de pesca) para a Espanha, Itália, Grécia, Croácia, Turquia e Egito. A maioria será ilegal, atingindo 200% a mais do que a comunidade científica considera ser sustentável capturar.

Isto faz surgir outro problema: fazendas de pesca. São fazendas apenas no nome; eles não “criam” nada a não ser lucros. Os animais são capturados da natureza, mantidos em compartimentos apertados até estarem gordos o suficiente para serem mortos. A piscicultura tem uma trajetória comprovada de que causa muitos males ambientais.

Estes animais apertados nesses espaços estão suscetíveis a doenças. Para protegê-los disto, os “fazendeiros” colocam altas doses de antibióticos na comida que dão aos peixes. Isto fica acumulado no corpo dos animais e então é passado para o consumidor em forma de câncer que causa doenças.

Estas “fazendas” são como o confinamento que usamos para vacas e porcos. Elas tornam-se altamente poluídas por causa de todo o excremento, excesso de comida acumulado logo abaixo das varas e tornam os parasitas abundantes. Isto resulta em zonas mortas abaixo e próximas desses locais. Além de que qualquer animal livre na natureza que nade próximo destas áreas fica infectado com os parasitas.

Como um exemplo, foi descoberto que piolhos do mar proliferam próximos a “fazendas” de salmões, que ficam localizadas normalmente onde oceanos e rios convergem, exatamente onde os salmões viajam ao migrar. Tudo que é preciso para matar um salmão jovem são três ou mais piolhos do mar. A taxa de mortalidade nestas áreas é maior que 95%. Muitos são encontrados com mais de 25 piolhos do mar. O piolho suga, literalmente, a vida de um jovem salmão.

“Fazendas” são uma imensa forma de desperdiçar a utilização dos mares. Para conseguir um quilo de salmão você precisa alimentá-los com três quilos de peixe natural. Para bacalhau a taxa é de 1:5. Para atum-azul a taxa é astronômica, 1:20. (1)

Nós não vamos “cultivar” uma saída para fora deste dilema. O verdadeiro caminho para permitir a recuperação dos oceanos é estabelecer Áreas Marinhas Protegidas (“MPA- Marine Protected Areas”). Isto significa ter zonas onde a pesca não seja permitida. Há numerosos exemplos de quão rapidamente estas zonas reagem.

Um exemplo pode ser encontrado na Escócia. Em 2000 eles criaram uma área restrita de três quilômetros quadrados. Havia uma área adjacente onde não haviam restrições quanto à pesca. Cientistas estudaram a área por 7 anos. Dentro de 5 anos a população de lagostas cresceu 700% na zona restrita. Isto não resultou apenas em mais lagostas, mas o tamanho das lagostas também aumentou cerca de 300%. Ao fim dos 7 anos de estudo, as lagostas começaram a migrar para fora da sua área lá os pescadores de lagosta tinham colocado suas armadilhas.

Como era esperado, na área sem restrições não houve aumento.

Mesmo em áreas onde a pesca é reduzida há melhoras profundas. A área de George Banks viu um aumento de 500% de hadoque, um aumento de 1400% de vieiras e 50% mais bacalhau. Isto aconteceu depois de um período de 6 anos somente encerrando a pesca de arrasto e as dragas. Os resultados poderiam ser mais substantivos se fosse uma Área Marinha Protegida (“MPA- Marine Protected Area”). (2)

De volta à proteção do atum

Em 1993 um sistema de gerenciamento voluntário foi acordado entre a Austrália, a Nova Zelândia e o Japão para proteger o atum-azul do Sul. Isto foi chamado de Convenção para a Conservação do Atum Azul do Sul (CCSBT – “Convention for the Conservation of Southern Bluefin Tuna”). Logo a Coréia e Taiwan juntaram-se ao grupo. Foram realizadas reuniões anualmente, onde foram discutidas as avaliações de ações e cotas estabelecidas. Então, em 1998, o Japão começou um programa de “pesquisa experimental” que permitia a eles capturar 1.400 toneladas adicionais. Soa familiar? Pesquisa baleeira toca um sino (do jantar)?

Em 2006 foi revelado que pescadores japoneses, taiwaneses e tailandeses estavam capturando mais que o dobro acordado para as cotas, nos últimos 20 anos… isto significa que a delegação japonesa para a CCSBT esteve naquelas reuniões anualmente mentindo através de seus sorrisos. A estimativa é conservadora que isto foi superior à 8 milhões de dólares.

Alguém pensa que nós podemos acreditar que os japoneses estão matando somente 950 baleias no Antártico Sul ou 30.000 golfinhos e baleias que eles matam em suas próprias águas? O Japão envia os mesmos delegados que são vistos nas reuniões da IWC à ICCAT. Países normalmente enviam dois ou três representantes para as reuniões do ICCAT, o Japão envia 49!

Agora ficou claro que nós, cidadãos globais, precisamos tomar o comando e pôr um fim a esta pilhagem de alto mar que vemos há tanto tempo. Chegou a hora de usarmos nossa tecnologia para monitorar todas as embarcações pesqueiras, os portos onde elas aportam, os armazéns e restaurantes que vendem o peixe. Os oceanos NÃO pertencem aos pescadores: eles pertencem a todos nós, incluindo as futuras gerações.

Não é o bastante parar de comer o atum Bluefin: nós precisamos desprezar quem o faz. Nós não podemos tolerar que alguém sente e coma um bife de gorila. Nós paramos com a proliferação de fazendas de pele mostrando nossa desprezo para qualquer um que vestisse um casaco de peles, algumas vezes indo ao ponto de jogar “sangue” no criminoso.

É a hora de começar a fazer as pessoas sentirem vergonha quando elas sentam para comer o último peixe de uma raça nobre. Eu peço que vocês encontrem restaurantes que sirvam atum-azul na sua área; descubra quem são as pessoas de alto nível que comem lá. Então vá na internet e faça o mundo saber quem são elas. Leve-os ao MySpace, Twitter, Facebook, Orkut, YouTube e a qualquer outro site de circulação em massa que você encontrar.

Nós temos menos de 3% do que existia há 20 anos atrás. É tempo de fazer uma mudança nos mares.

Referências:

(1) Tuna: Love, Death and Mercury. Richard Ellis.
(2) The Unnatural History of the Sea. Callum Roberts.
(3) Song for the Blue Ocean. Carl Safina.
(4) The End of the Line. Charles Clover.

Leia também: http://seashepherd.org.br/comissao-do-atum-nao-vale-um-pum-assino-embaixo/