Editorial

Não vamos recuar

Comentário do Capitão Paul Watson

Capitão Paul Watson, fundador e presidente da Sea Shepherd Conservation Society

Depois de 35 anos de intervenções para defender a vida marinha, a coisa de que tenho mais orgulho nessa minha carreira extensa é o fato de não termos causado nenhuma lesão a nenhuma pessoa, e, depois de cerca de 350 viagens, não tivemos nenhum membro da minha equipe seriamente ferido. Também estou orgulhoso do fato de que, embora tenhamos intervindo agressivamente contra baleeiros ilegais, caçadores de focas, assassinos de golfinhos, grupos que usam redes de deriva e de arrasto, assassinos de tartarugas e outras empresas que destroem a vida nos oceanos, tudo sempre foi feito dentro dos limites da lei.

Nós lançamos e realizamos oito campanhas de oposição aos baleeiros japoneses que operam arrogantemente no Santuário de Baleias do Oceano Antártico. Nós não causamos uma única lesão a nenhum deles, nem danificamos nenhum de seus navios. Os baleeiros, por outro lado, atiraram contra nós, bateram em nossos navios e destruíram completamente um deles, sem quaisquer consequências jurídicas de qualquer natureza. O que temos feito é aleijá-los financeiramente por meio do bloqueio da sua capacidade de matar baleias, e cerca de quatro mil delas estariam mortas agora se não fossem nossas intervenções e os esforços corajosos das minhas equipes incríveis.

Desde o início da campanha nosso objetivo foi afundar economicamente a frota baleeira japonesa. Nós conseguimos isso. Provocamos sua falência e seu endividamento; e a frota baleeira, mais fraca do que nunca, só sobrevive devido aos subsídios maciços do governo japonês.

Nunca tive a ilusão de que enfrentar uma das grandes superpotências econômicas mundiais não traria consequências para nós, especialmente porque temos humilhado muito os baleeiros no mar, manobrando-os e afugentando-os do Santuário de Baleias do Oceano Antártico com suas quotas de matança negadas e os seus lucros exterminados.

E, claro, os dois eventos que não poderiam ser previstos em nossa estratégia global causaram-nos os problemas maiores.

O primeiro dos eventos é o tsunami japonês.

Das centenas de milhões de dólares vindos de contribuições de todo o mundo para as vítimas desse desastre, uma quantia de cerca de 30 milhões de dólares foi dada aos baleeiros para lutarem contra a Sea Shepherd Conservation Society. Certamente as pessoas que fizeram doações jamais imaginariam que suas contribuições fossem ser gastas com isso. Reconstrução de casas, alimentos, medicamentos, reparos de infraestrutura, sim, mas para subsidiar as operações dos baleeiros a fim de continuarem a matança de baleias em um santuário… Quem poderia prever tamanha traição de confiança?

Com esse dinheiro os baleeiros contrataram empresas de relações públicas, aumentaram sua segurança e iniciaram ações judiciais. No entanto, o aumento da segurança em sua frota não conseguiu impedir que a Sea Shepherd interviesse mais uma vez, e como resultado os baleeiros alcançaram apenas cerca de 26% de suas quotas de matança e mais uma vez perderam todos os possíveis lucros, se afundando ainda mais em dívidas.

A apresentação de uma liminar contra a Sea Shepherd nos tribunais dos Estados Unidos também falhou quando um juiz norte-americano negou o pedido deles e, embora estejam apelando da decisão, suas chances de sucesso são pequenas.

Eles estão forçando a Sea Shepherd a gastar recursos em taxas judiciais, mas essas despesas são parte do plano de batalha geral, e nosso sucesso no mar está trazendo mais e mais apoio, o que nos permite continuar nossa luta contra as atividades da caça ilegal na água e, agora, também nos tribunais.

Os fundos levantados após o tsunami também têm sido utilizados para encontrar estratégias para derrotar-nos, e uma delas foi rastrear um incidente de dez anos atrás na saída da Guatemala, onde interviemos numa operação costa-riquenha ilegal de finning, com a permissão do governo guatemalteco. As acusações haviam sido rejeitadas, na época, depois de o tribunal da Costa Rica ter checado nossa documentação, e o incidente foi visto por centenas de milhares de pessoas no documentário premiado Sharkwater. Mas com um pouco de persuasão do Japão, a Costa Rica decidiu ressuscitar o incidente com uma acusação de que nós tínhamos jogado água sobre o barco de finning, levando-os a perderem o controle e colidirem contra o meu navio. Mesmo assim não houve feridos e sua embarcação não foi danificada. Dificilmente uma infração passível de extradição.

Quando foi feito o primeiro pedido na Interpol pela Costa Rica, ele foi negado. Mas quando cheguei à Alemanha no dia 13 de maio, os alemães decidiram agir sobre o pedido, apesar da negação, e prenderam-me. Minhas suspeitas desde o início foram de que se tratava de uma iniciativa do Japão, e uma vez que os japoneses viram a Alemanha disposta a agir de forma bilateral com a Costa Rica, eles se aproximaram com seu pedido de extradição.

Quando uma fonte de confiança dentro do Ministério da Justiça alemão me alertou que eu seria preso na manhã seguinte, quando me apresentasse à polícia de Frankfurt, eu sabia que, uma vez enviado para o Japão, não sairia de lá por um tempo muito longo. Portanto, tomei a decisão de partir da Alemanha.

Essa fonte alemã também me enviou uma cópia do pedido japonês, e todo o processo é baseado em acusações de Peter Bethune contra mim.

Esse foi o segundo incidente imprevisto.

Durante a Operação Waltzing Matilda (2009-2010), a embarcação Ady Gil, comandada por Pete Bethune, foi deliberadamente abalroada e cortada pela metade pelo Shonan Maru nº 2. Pete Bethune decidiu embarcar nesse navio para confrontar o capitão japonês. Em um dos episódios de Whale Wars – Defensores de Baleias, eu aconselho Bethune a não embarcar no navio. Sua resposta foi a de que era isso o que ele precisava fazer, era o seu navio, e ele tinha o direito de exigir que o capitão japonês respondesse pela destruição causada. Bethune disse que iria assumir completa responsabilidade por suas ações e, assim, ele embarcou no navio com o seu próprio jet ski e com ajuda do seu próprio tripulante.

Bethune foi levado para o Japão e, em vez de assumir a responsabilidade total pela decisão que tomou, ele me acusou de ordenar-lhe subir a bordo do Shonan Maru nº 2. Esse foi um acordo que ele fez com a promotoria local em troca da suspensão de sua pena. Nossa equipe jurídica tem provas documentadas dessa negociação.

Meus críticos podem dizer o que quiserem, mas eu acho que qualquer análise objetiva dos fatos dentro do contexto da nossa história vai mostrar que esses pedidos para a minha extradição são politicamente motivados, e não baseados em uma investigação legal. Tudo o que aconteceu durante o incidente da Costa Rica foi documentado pelo cineasta independente Rob Stewart para a realização do filme Sharkwater. Tudo o que ocorreu em relação às operações baleeiras japonesas no Santuário de Baleias do Oceano Antártico foi documentado para o programa Whale Wars – Defensores de Baleias, do canal Animal Planet, e no filme At the Edge of the World. A Sea Shepherd Conservation Society opera abertamente e às claras. Tudo o que fazemos é documentado.

Para os críticos que dizem que eu deveria, portanto, submeter-me à Costa Rica ou ao Japão se eu não tenho nada a esconder, eu só posso dizer que seria uma opção se me fosse permitido um julgamento justo e imparcial. Eu não acredito que qualquer um deles me daria um julgamento justo e imparcial, e mesmo se absolvido por um tribunal da Costa Rica, eles iriam entregar-me ao Japão na sequência. Os japoneses não estão buscando justiça, mas, sim, vingança.

O que temos aqui é um capitão japonês que destruiu completamente um navio de 1,5 milhão de dólares, feriu um cinegrafista e quase matou seis tripulantes. A tripulação foi recrutada por Pete Bethune para ajudá-lo em sua embarcação, o Ady Gil, e não eram tripulantes da Sea Shepherd, mas mesmo assim trabalhamos com eles para tentar parar os baleeiros japoneses e os resgatamos quando seu navio foi abalroado e destruído. Note que Pete Bethune também não era um capitão da Sea Shepherd. Na verdade, eu não tenho dúvida de que se fosse um capitão da Sea Shepherd no comando do Ady Gil naquele dia, a colisão teria sido completamente evitada. Mas esse não era o caso e a colisão ocorreu, mas o capitão do Shonan Maru nº 2 ainda nem foi submetido a um interrogatório sobre esse incidente. Isso contrasta com os processos contra mim que nem mesmo envolvem atividades minhas e são baseados unicamente nas acusações de um homem que fez um acordo com os japoneses em troca da suspensão de sua pena.

Em relação à Costa Rica, os tribunais viram as provas, questionaram a mim e às testemunhas e liberaram-me para deixar a Costa Rica, em 2002, e então ressuscitaram as acusações uma década depois, ao mesmo tempo em que uma reunião ocorreu entre a presidente Chinchilla, da Costa Rica, e o primeiro-ministro do Japão.

Outros incidentes provocados pelo Japão também não foram investigados, incluindo a colisão de um dos navios arpoadores com a embarcação Bob Barker e as colisões de arpoadores com outra embarcação nossa, o Steve Irwin, quando os baleeiros tentaram empurrar para longe esse navio da Sea Shepherd, a fim de impedir o bloqueio da rampa traseira do Nisshin Maru.

Em relação a mim, eu tenho que ponderar qual o melhor curso de ação no contexto da nossa estratégia global de defesa e proteção do Santuário de Baleias do Oceano Antártico. Se eu me entregar ao Japão e/ou à Costa Rica, não vou estar em uma posição de comando direto para intervir contra os caçadores de baleias japoneses nas águas da Antártica. Eu posso coordenar a campanha de uma base terrestre ou a bordo de um navio, mas não vai ser possível fazê-lo como um prisioneiro dos japoneses. A Operação Tolerância Zero deve ser a minha principal preocupação, e eu decidi dedicar-me ao lançamento da campanha. Se detido antes desse lançamento, a campanha vai prosseguir sob as instruções dadas por sua cadeia de comando. Após essa operação, se as questões jurídicas permanecerem pendentes, irei abordá-las diretamente no momento em que eu escolher, e com a orientação da nossa equipe de advogados.

Outro bocado de desinformação é que eu sou fugitivo da justiça. Eu não sou, e não é um crime alguém trabalhar comigo ou me ajudar. É um caso complicado, mas eu não sou procurado fora do Japão, da Costa Rica e da Alemanha. Não há mandado de prisão contra mim fora desses três países, e em relação à Alemanha, eu não violei nenhuma lei de lá. Ignorar a fiança não é um crime naquele país, independentemente da acusação que causou a minha detenção.

Atualmente eu estou em um lugar onde não posso ser tocado pela notificação “vermelha” da Interpol, e nossa equipe jurídica está trabalhando para expor os mandados da Costa Rica e do Japão como sendo politicamente motivados, com o objetivo de fazer a Interpol ignorá-los. Eu acredito que qualquer revisão imparcial da prova irá exonerar-me, e é melhor ter esses dados analisados com imparcialidade do que me atirar à mercê de tribunais onde o veredicto já foi determinado.

Desde o começo dessa campanha contra os caçadores de baleias japoneses no Oceano Antártico eu estava bem consciente de que havia riscos extremos envolvidos. Além de operarmos no meio marinho mais hostil do planeta, também estávamos conscientes do nosso envolvimento com uma das nações mais ricas e poderosas do mundo.

Apesar disso, a cada ano nós ficamos mais fortes, e a frota baleeira torna-se mais fraca. E o mais importante, nossos esforços para defender as baleias, salvar suas vidas, aumentaram drasticamente ao ponto de os japoneses não conseguirem matar, por dois anos consecutivos, mais de 70% de suas vítimas não mais indefesas.

E, assim, chegamos ao confronto e à razão do nome “Operação Tolerância Zero”. Nossa meta neste ano é atingir zero morte, e nós faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para tornar essa meta uma realidade. É esperado que os japoneses façam tudo o que puderem para nos deter, e uma de suas táticas é eliminar-me como o líder dessa campanha. Eles podem fazer ou não isso, mas de qualquer forma eles não podem parar a paixão de meus oficiais e tripulantes que ficarão comigo ou que, se necessário, ficarão sem mim. Mas eles irão ficar, e nossos navios enfrentarão, mais uma vez, esses assassinos cruéis em alto-mar para proteger os gigantes gentis de arpões impiedosos.

Se eu for capturado e politicamente crucificado antes dessa campanha, tudo o que eu posso dizer é que essa sempre foi para mim uma possibilidade, e os japoneses vão descobrir que eu não sou tão humilde e despreparado como seu prisioneiro anterior. A perda da minha liberdade pessoal ou mesmo da minha vida vai ser um preço justo para alcançar o objetivo de proteger o Santuário de Baleias do Oceano Antártico. E, com ou sem mim, esse objetivo será realizado porque temos algo que os baleeiros japoneses nunca terão. É um respeito apaixonado e absoluto pela vida e pela manutenção da integridade do santuário. Eles são motivados pela ganância. Nós somos motivados pelo amor, e o amor e o respeito pela vida sempre triunfarão sobre a ganância e a morte.

Para todos os nossos apoiadores ao redor do mundo: obrigado. Seu apoio dá-nos os meios para irmos adiante, para onde precisamos ir a fim de lutar essa batalha. Obrigado também para os Guardiões da Enseada, que começaram os seus seis meses em Taiji, no Japão, para defender os golfinhos. Obrigado para nossas equipes na África defendendo as focas, nos Galápagos defendendo aquelas ilhas encantadas, no Mediterrâneo em defesa do atum-azul ameaçado de extinção, no Pacífico Sul em defesa dos tubarões e recifes de corais, e para todos aqueles guerreiros da Sea Shepherd desencadeando a captação de recursos, o chamamento da atenção pública e o ativismo para campanhas em prol de espécies oceânicas em todo o mundo.

Tenho honra de trabalhar com cada um de vocês. Juntos, somos uma força que tem mostrado e continuará a mostrar que podemos fazer a diferença, e que não importam quais sejam os obstáculos ou quão impossível seja a missão, não vamos recuar. Martin Sheen me contou uma vez que quando o acusaram de apoiar uma causa perdida, ele disse que “as causas perdidas são as únicas pelas quais vale a pena lutar”. Martin, eu e todos da nossa equipe estamos unidos nessa crença de que o impossível pode se tornar possível. E é a paixão, a coragem, a imaginação e o engenho da minha equipe incrível que vai vencer essa luta pelas baleias e pelos oceanos.

Estou orgulhoso de todos e muito honrado por ter servido à causa de proteger nossos oceanos, pois a mais básica das verdades é essa: se os oceanos morrerem, nós morreremos! É simples assim, e, portanto, para mim, não há causa mais importante.

Traduzido por Maiza Garcia, voluntária do Instituto Sea Shepherd Brasil