Editorial

Caça às baleias na Noruega

Comentário de Erwin Vermeulen

Navio de caça às baleias, Reinefangst. Foto: Erwin Vermeulen

Não se pode dizer que a ilha de Spitsbergen esteja intacta. Os massacres perpetrados pela Holanda e por outros países europeus desde o século XVII diminuíram drasticamente o número de baleias-da-groelândia, e elas são raramente vistas nas ilhas do Ártico. Há praias, aqui, cheias de crânios e ossos de centenas de belugas que foram abatidas, e morsas caçadas até a quase extinção local. Ainda assim, a beleza cênica e outros animais selvagens atraem hoje milhares de turistas para esses picos cobertos de neve que pendem das águas frias.

Você poderia imaginar que a humanidade e, especialmente, a Noruega – que rege estas ilhas com o nome geopolítico de Svalbard – teriam aprendido com esse passado ignorante e destrutivo e que o dinheiro do turismo seria um incentivo extra para proteger o que ainda resta… Mas não é assim! Há aqui, ainda, as temporadas de caça, tanto das raposas árticas que são aprisionadas por sua pele quanto das baleias.

Por isso, no mês passado, enquanto eu navegava em Hornsund, no sudoeste de Spitsbergen, não foi uma surpresa encontrar naquela baía as embarcações caçadoras de baleias Ann-Brita e Reinefangst com seus arpões assassinos descobertos. Embora tenham se passado quase duas décadas desde que a Sea Shepherd e os caçadores de baleias noruegueses se confrontaram cara a cara, isso não significa que nós não acompanhamos o que eles estão fazendo.

O navio assassino de baleias Ann-Brita. Foto: Erwin Vermeulen

Durante essa última década temos visto o número de barcos licenciados participantes do abate diminuir, chegando a 21 neste ano. Alguns estão desistindo devido à falta de demanda por carne de baleia, outros por terem visto seus navios afundados nos portos de origem. Testemunhamos a luta dos caçadores para preencher as quotas, culpando os custos de combustível, o mau tempo e a distância das áreas de caça pelos seus fracassos. Ainda assim, a Noruega já matou quase 10 mil baleias desde que a moratória entrou em vigor, em 1986. Apesar de o país ser um membro da CIB (Comissão Internacional da Baleia), ele não concorda com as decisões dessa Comissão. Em 1982, a Noruega entrou com uma reclamação formal contra a proposta de proibição da caça comercial de baleias. As regras insanas dessa organização ineficaz e corrupta dizem, basicamente, que se você não gosta de suas decisões, pode se opor, e apenas com base nessa oposição, você não é obrigado a segui-las. A Noruega também se isenta das proibições comerciais impostas por uma outra organização ineficaz e corrupta chamada CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção) e exporta carne de baleia para o Japão.

O país nórdico usou do estilo japonês empregando a caça científica por um breve período antes de retornar, em 1993, à caça abertamente comercial. Eles atingiram o pico em 2005, com 639 baleias, e no ano passado tiraram a vida de 533 animais. O Ministério de Pescas e Assuntos Costeiros norueguês estabeleceu a quota para a temporada de 2012, que vai de 1º de maio a 30 de agosto, novamente em 1.286 baleias minke.

Além de ignorar a moratória sobre a caça comercial de baleias, a Noruega define limites de captura muito mais elevados do que os cálculos “científicos” da CIB permitem (um sistema sinistramente chamado de Procedimento de Gestão Revista).

Arpão com ponta explosiva no navio Ann-Brita. Foto: Erwin Vermeulen

Acima disso tudo, esse país tem permitido que as capturas se concentrem em áreas mais convenientes para os caçadores, especialmente no oeste de Spitsbergen. Ainda assim, os caçadores não conseguem atingir nem a metade da sua quota. Então, para acalmá-los ainda mais e em completo desrespeito pelo destino das baleias, o governo fundiu, neste ano, duas zonas de caça separadas tornando o negócio mais rentável para os caçadores ao concentrar a matança nas águas em torno de Spitsbergen.

Os apologistas da caça às baleias no governo norueguês até fizeram uma piada com a palavra “sustentabilidade”, já muito gasta. Claro, se esse clichê não se firmar, há sempre outras desculpas, como culpar as baleias de comerem os peixes dos pescadores. Já não ouvimos reclamações similares da indústria baleeira japonesa, dos caçadores de focas e leões marinhos em Newfoundland (Canadá) e na Namíbia, dos assassinos de golfinhos em Taiji (Japão), das agências de pesca no Chile e dos funcionários da represa Bonneville (Estados Unidos) para desviar a atenção do verdadeiro problema: a pesca excessiva feita pelo homem?

Tão absurdos quanto isso são os argumentos velhos e cansativos de tradição e cultura usados ao redor do mundo para justificar a brutalidade e a crueldade e para repetir, mais e mais, os erros do passado. Um funcionário chegou a afirmar que a caça às baleias norueguesa pode ser considerada primitiva. Nenhum dos navios de aço, movidos a diesel, cheios de equipamentos modernos e eletrônicos, com arpões de granadas explosivas que eu conheci nessas águas me pareceu primitivo ou tradicional.

Assim como em todos os lugares onde ocorre uma matança sem sentido, é possível sentir o cheiro da ganância, da teimosia, do orgulho nacional equivocado e da ignorância voluntária. Isso não deveria ser tolerado na Europa de hoje.

Traduzido por Maiza Garcia, voluntária do Instituto Sea Shepherd Brasil