Vitória das Baleias Francas em Santa Catarina
Suspenso o turismo de observação de baleias embarcado até a realização de estudos de viabilidade da atividade em processo de licenciamento
Em decisão histórica a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região determinou, por unanimidade, a proteção da espécie Baleia Franca Austral suspendendo o turismo de observação de baleias embarcado (TOBE) na região da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca (APABF), em Santa Catarina, por entender que a atividade é “potencialmente causadora de impacto” nas baleias, e que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) “não vem garantindo a proteção dos referidos cetáceos”.
O Desembargador Relator, Dr. Fernando Quadros da Silva, considerou, ainda, que o aumento do número de fiscais, alegado pelo ICMBio como medida de proteção às baleias para a liberação do TOBE, não é suficiente para garantir a integridade dos animais, reconhecendo a “necessidade de sua proteção irrestrita, com medidas efetivas para a fiscalização, com estudos de viabilidade, de plano de manejo e do licenciamento da atividade pelo órgão competente.”
O Desembargador adotou, em sua decisão, os fundamentos do parecer do Ministério Público Federal, de autoria do Procurador Regional da República Paulo Gilberto Cogo Leivas, em que esclarece “As principais ameaças enfrentadas pela baleia franca atualmente são colisões com embarcações e emalhamento em artefatos de pesca. A atividade de turismo de observação embarcado representa outra ameaça, especialmente pelo fato de áreas mais costeiras serem utilizadas pelos pares de mãe e filhote. Essas também são informações que constam no Livro Vermelho elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente.” e destaca “A proteção dessa espécie ameaçada de extinção é principal finalidade da criação da Área de Proteção Ambiental – Baleia Franca.”
Para o Procurador “O turismo de observação pode afetar as populações selvagens de três principais formas, causando efeitos adversos no comportamento, fisiologia ou afetando seu habitat. Indivíduos que estão sujeitos a perturbações permanecerão menos tempo alimentando-se ou descansando, e gastarão mais energia na partida desses locais, podendo mudar para áreas menos produtivas ou mais distantes.” e, conclui que a decisão do Juiz Rafael Selau Carmona (Justiça Federal de Laguna) “não se mostra suficiente para liberar a atividade somente a apresentação por parte do ICMBio de um plano de fiscalização, sem condicioná-la ao menos a estudos de sua viabilidade ambiental, ou até que seja assegurado que esse tipo de turismo se desenvolva com um mínimo de riscos de danos à espécie baleia franca e à segurança dos turistas.”
Para o Diretor Geral do Instituto Sea Shepherd Brasil, Wendell Estol “o Berçário está vulnerável diante de muitos fatores de molestamento presentes na região, que comprometem a preservação da espécie e não são regulamentados ou coibidos pelo ICMBio. O turismo de observação de baleias embarcado se mostrou um destes fatores, por isso pedimos a sua suspensão definitiva ou até que estudos de viabilidade sejam feitos dentro de um processo de licenciamento ambiental, este segundo pedido foi acatado pelo Tribunal. O Sea Shepherd considera que, com esta decisão, cumpriu a sua missão que é garantir a preservação de espécie marinha em perigo de extinção.”
Enseadas pequenas e fechadas são incompatíveis com a prática do turismo de observação de baleias embarcado (TOBE)
Em 2012, teve início a ação civil pública movida pelo Sea Shepherd requerendo a proteção das baleias francas diante das diversas provas de molestamentos que os animais vinham sofrendo na prática do TOBE, como exemplo a ONG relembra a imagem de turistas colocando os pés em um filhote durante um passeio embarcado.
Em 2013, a Justiça Federal de Laguna deferiu o pedido liminar da ong e suspendeu a atividade por medida de proteção às baleias e segurança para os turistas. A decisão teve como fundamento um documento entregue ao ICMBio ainda em 2011 por uma das empresas turísticas, no qual a operadora da atividade admite que, em determinados momentos dos passeios, os motores dos barcos não eram desligados para garantir a segurança dos turistas, mesmo que as baleias estivessem a menos de 100 metros da embarcação.
“Este documento comprometeu integralmente a legalidade da atividade. Não desligar os motores das embarcações na presença das baleias e seus filhotes significa descumprir uma regra básica de proteção aos cetáceos, prevista da Portaria 117/96 do IBAMA. Uma das ações previstas na criação da APABF é ordenar o turismo em seu território. Ordenar não significa liberar, e, sim, verificar a viabilidade da atividade no ambiente em que será realizada. Há uma tendência mundial de proibição do turismo de observação de baleias embarcado em enseadas pequenas e fechadas, como é o caso da APABF, diante da incompatibilidade das regras de proteção aos cetáceos com regras de segurança de navegação.”, explica Luiz Albuquerque, Diretor Jurídico do Instituto Sea Shepherd Brasil.
O Berçário é uma unidade de conservação de uso sustentável criada para proteger a Baleia Franca Austral
A região do Berçário das Baleias Francas em Santa Catarina teve a sua relevância reconhecida em 2000, com a criação da unidade de conservação de uso sustentável denominada Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca (APABF). Contudo, o Sea Shepherd Brasil considera o avanço na proteção da espécie alvo ainda insuficiente, já que a unidade de conservação não possui plano de manejo e nem embarcação própria para fiscalizar os 130 km de costa.
“Garantir a tranquilidade no Berçário significa contribuir para a preservação da espécie, já que os eventos mais importantes ocorrem nas enseadas, como o acasalamento, o nascimento e o preparo dos filhotes para o regresso à zona de alimentação, na Antártica. A região é farta em mirantes naturais em que é possível observar as baleias por terra a menos de 20 metros, em seu comportamento natural sem qualquer interferência humana e sem risco para os turistas. Por isso, os Desembargadores liberaram a observação por terra, reconhecendo-a como um turismo sustentável.”, comenta Renata Fortes, advogada do Instituto Sea Shepherd Brasil.
Proteção integral do Berçário das Baleias Francas, um pedido da sociedade civil organizada
Duas entidades ingressaram com Amicus Curiae no Tribunal em apoio ao pedido de suspensão do TOBE feito pelo Sea Shepherd. A Associação Catarinense de Proteção aos Animais – ACAPRA, entidade com mais de 30 (trinta) anos de atuação, criou um site temático sobre o Berçário e lançou a campanha Berçário Livre!, com objetivo de informar a sociedade e requerer medidas de proteção aos cetáceos. A outra, a Associação Comunitária Amigos do Meio Ambiente para a Ecologia, o Desenvolvimento e o Turismo Sustentáveis – AMA, ex-entidade conselheira da APABF, que após 10 anos de participação ativa no Conselho Gestor, pediu seu desligamento em maio deste ano (2016). Para a entidade, a gestão da APABF está desvirtuada de seu objetivo ao atuar em favor da liberação do TOBE, mesmo sabendo que esta atividade é inviável no Berçário e causa molestamento às baleias. A AMA, juntamente a outras entidades locais, criou a Rede de Turismo de Observação de Baleias por Terra – TOBTer, ofertando roteiros com trilhas ecológicas e observação terrestre de baleias, possibilitando ao visitante o contato com a natureza, com a cultura local e produtos da região. Esta rede recebe apoio do SEBRAE.
O Plano de Fiscalização do TOBE apresentado pelo ICMBio
Com o intuito de autorizar a volta do TOBE ainda nesta temporada de 2016, o ICMBio apresentou na Justiça Federal em Laguna um Plano de Fiscalização para a atividade. O Sea Shepherd já se manifestou pela improcedência do Plano.
“O Plano de Fiscalização está perfeito caso fosse para a observação de baleias embarcada em Abrolhos, na Bahia, já que a Baleia Jubarte fica a 70 km da costa o que possibilita aos barcos desligarem os motores com segurança, mas, em um berçário com enseadas pequenas e fechadas, como é o caso de Santa Catarina, em que a Baleia Franca fica a 20 metros da costa, ele jamais cumprirá a sua função de evitar o molestamento dos cetáceos e garantir a segurança dos turistas.”, comenta Renata Fortes, e explica “A proximidade da baleia franca dos costões e faixa de areia acaba levando os barcos a ficarem na zona de arrebentação das ondas, nestas zonas a regra de segurança determina que os motores dos barcos jamais sejam desligados mesmo com a presença das baleias, assim a primeira regra prevista no próprio plano que determina o desligamento dos motores quando as baleias estiverem a uma distância do barco inferior a 120 metros não poderá ser cumprida.”
A ong tem até o dia 05/09 para levar ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região a análise deste plano.
Fonte da notícia: TRF4 /Justiça Federal – goo.gl/bKd1a2