Editorial

Gonzi vira Gonzo por denúncias de corrupção

Do Capitão Paul Watson

Atum-azul mantido cativo numa operação de pesca de cercado no Mediterrâneo

Fui entrevistado, recentemente, pelo New Europe, a revista política europeia amplamente lida por políticos em toda Europa.

Aparentemente, minhas palavras tocaram um ponto sensível do governo de Malta e, agora, eles estão fazendo afirmações ridículas sobre processar-me por calúnia.

Aqui está o que eu disse no New Europe:

O que está acontecendo em Malta é que há toda uma empreitada ilegal com apoio pleno dos políticos que estão sendo subornados por esses pescadores de atum. Essas práticas contribuem seriamente para o desaparecimento do atum-azul, e farão muita gente ficar rica no processo.

Chamo a isso de economia da extinção, pois à medida que o número de peixes da espécie diminui, o preço sobe e isso torna sua pesca ainda mais lucrativa. Eles estão colocando o atum-azul em depósitos no Japão, e mantendo um estoque para cinco ou seis anos, de modo que, quando não houver mais atum-azul, terão um estoque que poderá ser vendido ao preço que esses pescadores quiserem. Desse modo, eles estão, de fato, investindo na extinção.

A União Europeia possui todas as regras e regulamentos que protegem os nossos oceanos, mas o que eles não têm é a aplicação disso. Temos falta de vontade da parte dos governos para aplicar a lei de conservação internacional. Eles precisam ir lá e prender os bastardos. Mas estão fazendo isso porque há dinheiro demais sendo passado por debaixo dos panos para muitos políticos da Europa, e não há dúvidas de que os políticos de Malta estão recebendo o seu.

Esta é a matéria da edição de 6 de março do jornal Malta:

Durante a sessão parlamentar desta noite, o primeiro ministro Lawrence Gonzi revelou que o governo maltês iniciou um processo legal com relação a uma entrevista publicada pelo New Europe.

Gonzi estava respondendo a uma pergunta parlamentar feita pelo deputado da bancada nacionalista Jesmond Mugliett, com relação a uma entrevista sobre a indústria de pesca de atum de Malta, publicada na revista.

Numa entrevista publicada mês passado, o fundador da Sea Shepherd, Paul Watson, foi citado  dizendo que “o que está acontecendo em Malta é que há toda uma empreitada ilegal lá com apoio pleno dos políticos que estão recebendo propinas desses pescadores de atum”.

Mugliett perguntou se haveria processo por calúnia por parte do governo, e o primeiro ministro respondeu afirmativamente. “Seguindo aconselhamento de advogados, foi decidido dar entrada em em processo por calúnia no exterior”, disse Gonzi.

Na entrevista, o fundador da Sea Shepherd, Paul Watson, fez um julgamento sarcástico da classe política maltesa, afirmando que a indústria de atum-azul tem enchido os bolsos de parlamentares para que sancionem seu comércio de pesca alegadamente ilegal.

Watson – que tem liderado expedições no Mediterrâneo para destruir fazendas de atum maltesas – referiu-se à indústria de atum maltesa como “toda uma empreitada ilegal” que tem todo o apoio dos políticos “que estão sendo subornados por esses pescadores de atum”.

Watson diz que a sobrepesca do atum-azul está fazendo a indústria ficar mais rica ao elevar os preços, enquanto a espécie de peixe é levada próxima à extinção, mas que a União Europeia e Malta estão fazendo pouco para aplicar as leis de conservação.

“A União Europeia possui todas as regras e regulamentos que protegem os nossos oceanos, mas o que eles não têm é a aplicação disso. Temos falta de vontade da parte dos governos para aplicar a lei de conservação internacional. Eles precisam ir lá e prender os bastardos.”

“Mas estão fazendo isso porque há dinheiro demais sendo passado por debaixo dos panos para muitos políticos da Europa e não há dúvidas de que os políticos de Malta estão recebendo o seu.”

Minha resposta ao governo de Malta:

Não estamos nem um pouco preocupados com essa ameaça do governo de Malta. Primeiro, porque a calúnia só se aplica para acusações feitas por escrito, portanto o curso de ação apropriado seria o de difamação, pois a alegação foi feita verbalmente. Segundo, porque você não pode caluniar ou difamar um governo. Eu não mencionei nenhum indivíduo específico. Terceiro, porque a melhor defesa contra a acusação de calúnia e difamação é a verdade. Na minha opinião, baseada no que descobri em nossas investigações da indústria de atum em Malta, estou convencido de que existe evidências suficientes para apoiar minhas alegações de que políticos malteses recebem verbas da indústria de atum, e estou convencido de que existe corrupção em larga escala no interior da própria indústria de atum. Sendo assim, não me desculpo por minhas afirmações e, se o governo de Malta quiser abrir esse caso para investigação internacional, sou totalmente a favor, vamos ao tribunal, desde que seja um tribunal fora de Malta, por razões óbvias. Penso que essa ameaça foi feita pelo governo de Malta para tentar sair bem e se esquivar daquilo que eu disse. Eles sabem muito bem que eles não têm bases para um processo. Se os cidadãos fossem processados toda vez que chamassem o governo de corrupto, os tribunais estariam completamente lotados com casos assim. Nunca ouvi falar de um governo que tivesse processado um cidadão por fazer acusações de corrupção, pelo menos não numa sociedade democrática. Resumindo, isso me parece uma resposta cheia de culpa. Políticos honestos, que não têm nada a esconder, simplesmente não dariam atenção. Esse governo é suspeitamente defensivo.

Vejamos, então, onde isso vai nos levar. As chances de realmente chegar a um tribunal são ridiculamente pequenas; trata-se, ao fim das contas, apenas de uma ameaça do primeiro ministro de Malta em tentar sair-se bem diante do parlamento. Governos não podem processar cidadãos, e certamente não podem processar estrangeiros, por acusações de corrupção a eles. Pode ser diferente, mas, ainda assim, muito improvável, que o primeiro ministro Lawrence Gonzi pudesse me processar se eu tivesse afirmado que ele, especificamente, estivesse aceitando suborno, ou que ele fosse corrupto. Na minha opinião, ele é um político corrupto, mas ele também é uma figura pública e não pode me processar por ter minha opinião.

Mas seria um caso interessante, se ele levasse adiante. Será que ele poderia me processar num tribunal dos EUA por acusar o governo de Malta de corrupção? Isso abriria um precedente interessante.

Estes dois comentários do Malta Today ilustram ainda mais o absurdo da ameaça do primeiro ministro:

Postado por: not amused — 06/03/2012 23:54:28: “O que virá em seguida? Gonzi processando a enorme porcentagem de malteses, que acreditam que a corrupção está espalhada por Malta? Sabemos o tipo de aplicação de leis que ocorre em Malta, enquanto o caos desenfreado da construção civil e os constantes estupros no interior de Malta são prova suficiente de como é fácil comprar e manipular os favores de nossos políticos.”

Outro comentário no Malta Today – simples e direto: Postado por: Half EU Citizen — 24/02/2012 11:17:19. : “Nós temos os melhores políticos que o dinheiro pode comprar!”

O mais importante é que:

O atum-azul, uma espécie altamente ameaçada, está à beira da extinção e o grosso das operações de sua pesca ilegal ocorre na ilha de Malta. Os fazendeiros de atum-azul de Malta processam a qualquer um que se opuser a eles, incluindo os jornalistas malteses. Eles estão nos processando por obstruí-los e por soltar sua pesca ilegal de atum-azul na costa da Líbia.

Paisagem de Malta. Foto: Simon Ager

A Sea Shepherd diz o que precisa ser dito, e fazemos o que precisa ser feito para defender essa espécie ameaçada. Não temos medo de suas ameaças, nem as físicas, nem as legais. Eles são capangas, e toda a indústria de atum-azul é uma operação criminosa, que sobrevive subornando funcionários da CITES e subornando políticos. É o que digo e não tenho nenhuma intenção de retirar.

Portanto, pode vir, Gonzi, vamos ao tribunal para podermos soltar nossos detetives na sua ilha e coletar evidências daquilo que sabemos estar lá, para poder fundamentar minhas afirmações ao New Europe. Mas nós dois sabemos que você está somente fazendo pose, pois você sabe que não existe tribunal com jurisdição para o seu caso e, sabendo disso, você pode facilmente dizer que vai me processar por calúnia, fazendo parecer que a vítima é você.

Então, vamos a julgamento se você puder, para que possamos pedir por mandado os documentos para a defesa – coisas como extratos bancários, transações financeiras, contas no exterior, relacionamentos, alegação de favores recebidos por políticos da indústria de atum, viagens de políticos em iates de propriedade dos executivos da indústria de atum e outras conexões relevantes.

Fiquem ligados para ver o que vai acontecer enquanto o primeiro ministro de Malta tenta fazer o que o Japão, a Noruega e o Canadá falharam – levar a Sea Shepherd, e eu, para o tribunal.

Mas é claro que nem o Canadá, nem a Noruega, nem o Japão nunca tiveram que lidar com alguém chamando a eles de corruptos – ei, espere, acho que já fizemos isso, sim. Só que eles perceberam como era bobo ir a julgamento por causa disso.

Traduzido por Carlinhos Puig, voluntário do Instituto Sea Shepherd Brasil