Editorial

Digna de Banquete do Imperador?

Comentário por Gary Stokes, Coordenador da Sea Shepherd Hong Kong

Foto: Gary Stokes

Foto: Gary Stokes

Tendo vivido em Hong Kong por mais de 20 anos, acredito que eu tenha desenvolvido uma compreensão muito clara do povo e dos costumes locais daqui. Para a maioria, Hong Kong é uma cidade razoavelmente limpa, e você considera que é mesmo, quando as pessoas estão amontoadas em um lugar tão pequeno. Reconheço que quando cheguei, você não podia andar uns poucos metros sem ouvir alguém engasgando e tossindo catarro por uma eternidade antes de escarrá-lo na calçada. Esses dias temos ido bem, principalmente graças a uma iniciativa do governo para uma “boa cuspida” em público. A cidade ultimamente esteve muito suja, e muito disso é atribuído à poluição atmosférica gerada pelas fábricas do outro lado da fronteira e do grande tráfego urbano.

Uma coisa que tenho notado em Hong Kong é a grande quantidade de “guerreiros de germes”, pessoas que abrem um pequeno pacote de lenços para limpar as mãos depois de tocar uma grade ou qualquer coisa que possa ter esse sujeira urbana sobre ele. Agora, isso não é uma coisa ruim em tudo, e muito disso eu acredito que venha da epidemia de SARS (Sídrome Respiratória Aguda Grave, do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome) que deu a cidadãos de Hong Kong um nível adicional de “consciência sobre germes” em cima do que o governo já havia iniciado.

Então, com isso em mente, eu fiquei completamente perplexo com o mais falado, controverso, e prestigiado prato – sopa de barbatana de tubarão (que é vendido por mais de $100 uma tigela) – que tem como ingrediente principal um meio pedaço de carne podre, que foi seco ao sol em algum lugar esquecido por Deus, antes de ser enviado aqui para Hong Kong. Ao chegar, este ingrediente caro é então espalhado por calçadas, chutado, e até mesmo pisado. Alguns restaurantes o compram de um distribuidor em Sheung Wan por um preço considerável, e depois hidratam o ingrediente, deixando de molho durante a noite. A barbatana então tem sua “porcaria” retirada fora a vapor e tem a cartilagem removida antes de ser cozida novamente com um caldo de presunto, frango e carne para dar sabor. A substância mole e viscosa é então colocada em uma tigela, e mais caldo é adicionado, combinado com o amido de milho, MSG (glutamato monossódico, bastante utilizado na indústria alimentícia), molho de ostra, molho de soja e uma inúmera quantidade de outros aromas também são adicionados antes de ser servido em alguma simpática tigela e entregue à mesa como uma coroa de jóias, e então é saudado por um coro de “uaaau!” pelos seus consumidores.

Foto: Gary Stokes

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Questões ambientais à parte, esta tem que ser a maior campanha de marketing no mundo. Pegue a coisa menos apetitosa possível e adicione a história do “Banquete do Imperador”, que em algumas lendas urbanas, isto reduz a chance de câncer e aumenta a potência sexual e BINGO! – uma venda instantânea. Agora adicione a isso o fato de que as populações de tubarões em todo o mundo estão sendo dizimadas, e você já criou um mercado para vender um produto indesejável. Muito esperto! Com hotéis cinco estrelas que promovem isto em casamentos como o “prato must have“, jogando na cara da cultura asiática, o prato é vendido em massa. Agora, com uma marca de tanto prestígio ligado à sua imagem, toda a população de classe média em expansão da China Continental quer um pouco de ação. E este grande aumento no consumo cria uma demanda ainda maior, de estoque cada vez menor.

Ambientalmente, o impacto da remoção dos predadores de qualquer ecossistema é devastador. Os tubarões existem desde antes dos dinossauros, em constante evolução ao longo do tempo para se tornar o predador mais eficiente e eficaz. Os tubarões foram responsáveis por moldar o desenvolvimento de todas as outras espécies no oceano, que tiveram que evoluir para sobreviver. Ao remover os tubarões do ecossistema, teremos uma superpopulação de peixes, já que eles não terão um predador natural. Eles então irão acabar com sua fonte de alimento natural, antes de desaparecerem. Os peixes, que foram presas para as outras espécies (agora exterminadas), não terão predador natural, portanto o mesmo padrão vai ocorrer de novo e de novo para baixo do ecossistema até atingir o fundo. Aqui encontramos o plâncton, e quando o plâncton se vai, o mesmo acontece com 70% do oxigênio que respiramos. É por isso que ambientalistas e ONGs a nível mundial têm feito campanha para frear a sopa de barbatana de tubarão. Os tubarões são essenciais para a saúde dos oceanos e para a saúde do ecossistema mundial.

O relógio está correndo. Será que os consumidores da sopa de barbatana de tubarão vão acordar e perceber que eles estão consumindo – literalmente – comida de rua, ou vamos aniquilar uma espécie-chave, que pode de fato resultar em nosso próprio fim?

Traduzido por Renato Vechiatto, voluntário do Instituto Sea Shepherd Brasil