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Botos de Laguna, a Taiji brasileira?

Redes ilegais de pesca atravessadas no rio Tubarão, trânsito de jet skis em alta velocidade e poluição da água por coliformes fecais, resíduos de agrotóxicos e produtos químicos. Este é o cenário do habitat de uma das mais notáveis espécies de golfinhos no mundo: os Botos Pescadores de Laguna.

Jet skis na Lagoa Santo Antônio dos Anjos, Laguna, 06 de dez de 2014. Foto: Instituto Sea Shepherd Brasil

Rede ilegal de pesca, Rio Tubarão, 06 de dez de 2014. Foto: Instituto Sea Shepherd Brasil.

Mancha de produtos químicos na margem do rio, próximo à balsa de Laguna. Foto: Instituto Sea Shepherd Brasil

Os Botos Pescadores

Os Botos Pescadores, assim chamados pelos pescadores artesanais da região de Laguna, ou Boto-da-tainha são cetáceos da espécie Tursiops truncatus, protagonistas de uma das mais curiosas e fantásticas interações entre o ser humano e animais selvagens. Os botos auxiliam os pescadores na captura da tainha ao conduzirem os cardumes até uma distância propícia para que a tarrafa (rede) seja lançada. Mas, o auxílio dos botos não para por aí, com um movimento característico, acima da superfície, o boto “avisa” aos pescadores o momento certo para o lançamento da tarrafa e, segundo eles, “quem conhece o aviso, tem sucesso garantido na pescaria”.

A pesca cooperativa entre botos e pescadores é secular, inclusive com a participação dos filhotes, o que garante a continuidade deste comportamento. Apenas outras três populações de golfinhos no mundo interagem com pescadores. No Brasil (Tramandaí, RS), Austrália e Nova Zelândia.

“O boto só traz alegria, traz o pão de cada dia, é uma tranquilidade pescar com eles, não precisamos perder noites pescando lá fora, os botos trazem uma facilidade muito grande.” (pescador artesanal Sr. João, fonte: Animal Planet)

Pesca cooperativa com o boto "Borrachinha". foto: Ronaldo Amboni

Proteção legal dos Botos Pescadores

 O art. 225, parágrafo 1º, inciso VII da Constituição Federal é claro ao atribuir o dever da sociedade e do poder público em defender e preservar o meio ambiente para garantia de uma vida com qualidade, para as presentes e futuras gerações. No parágrafo primeiro estabelece que o poder público tem o dever de proteger a fauna e a flora, além de coibir as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Um ano antes da promulgação da Constituição Federal foi aprovada em 1987 a Lei Federal nº 7.643, que prevê como crime a pesca e o molestamento intencional de cetáceos em águas jurisdicionais brasileiras, com pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão e multa de 50 (cinquenta) a 100 (cem) Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, com perda da embarcação em favor da União, em caso de reincidência.

Dez anos após, em 10 de novembro, os habitantes de Laguna declararam os Botos da Lagoa de Santo Antônio dos Anjos da Laguna como patrimônio municipal, através da Lei Municipal nº 521. No seu art. 2º, a lei prevê diversas ações de responsabilidade do Poder Público e da coletividade, com o objetivo de proteger estes cetáceos. Dentre elas, evitar ou coibir atividades que possam causar danos aos botos e o monitoramento do despejo de dejetos sólidos e líquidos na lagoa, para evitar a sua poluição.

 “Não sei mais se é Laguna ou Taiji”

“Gostaria de pedir a vocês muita ajuda, pois a situação está muito pior do que parece ser, é caso para uma mobilização nacional. Vou lutar e seguir firme até morrer, não  desistirei de lutar pelos cetáceos, e como morador local que nasceu e cresceu junto aos Botos de Laguna peço-lhes respeitosamente: ajudem os Botos de Laguna porque o fim está próximo, não sei mais se é Laguna ou Taiji!”, desabafo de um morador local de Laguna.

Em 2013, o Instituto Sea Shepherd Brasil recebeu denúncias de moradores locais informando que diversos Botos Pescadores estavam sendo vítimas de redes de pesca clandestinas, molestados por jet skis e doentes por causa da poluição da água, indicaram perfis na rede social Facebook em que imagens são divulgadas. Voluntários da entidade em Santa Catarina foram enviados para verificar a situação, e comprovaram a veracidade das informações.

“Dois voluntários passaram três dias em Laguna, e após conversarem com moradores e pescadores constataram que, apesar das leis de proteção, os botos realmente estão sendo vítimas da ineficiência do Poder Público em fiscalizar e impedir a prática de atividades ilegais na região. Até Campeonato Mundial de Manobras de Jet Ski estava programado para acontecer no local de residência dos botos.”, esclarece Hugo Malagoli, Diretor Regional de Santa Catarina do Sea Shepherd Brasil.

Boto encontrado morto em rede de pesca, em 30 de out de 2013, em Laguna. Fotos: Rede social Facebook

Foto: Rede social Facebook

O descaso dos órgãos públicos com esta população de golfinhos nos deixou perplexos, porque constatamos que os fatores que estão levando ao seu decréscimo drástico já ocorrem por muito tempo, e são conhecidos por todos. Inclusive, na ocasião das denúncias, estava tramitando um projeto de lei para liberar a circulação de jet skis e campeonatos na área de ocorrência dos botos. Assim, a nossa primeira ação foi em 15 de outubro de 2013, quando encaminhamos um ofício para todos os vereadores, Câmara Municipal de Laguna, Prefeitura Municipal (Fundação Lagunense do Meio Ambiente), Conselho e Chefia da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca e Coordenação Regional do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em Santa Catarina, requerendo o arquivamento deste projeto de lei, o que acabou ocorrendo, assim como o tal  campeonato foi suspenso”, relata Renata Fortes, advogada do Sea Shepherd Brasil, “ainda requeremos medidas urgentes do ICMBio para proteção dos botos, contudo, sem êxito, pois só em outubro três botos apareceram mortos na praia por causa de redes.”

Diante da morte dos botos no mês de outubro, o Sea Shepherd Brasil ingressou com uma ação judicial, requerendo ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e ao ICMBio que empreendessem ações de fiscalização na região. “Requeremos apenas que a legislação fosse cumprida, mas a Justiça Federal de Laguna não reconheceu a urgência da situação, concedendo prazo para os réus apresentarem suas defesas.”, comenta Luiz Albuquerque, advogado do Sea Shepherd Brasil.

Na defesa judicial, em síntese, os réus alegaram que não são onipresentes e que o Poder Judiciário não tem atribuição para interferir em políticas públicas. Contudo, apresentaram duas ações de fiscalização na área, sendo uma decorrente de ordem judicial para fiscalização de redes de pesca ilegais.

“O Sea Shepherd é uma entidade séria, e nunca atuamos sem que os fatos sejam reais. Por isso, em fevereiro de 2014, voluntários efetivaram uma vistoria embarcada no rio Tubarão, durante a madrugada e, mesmo sem ser a época da pesca do bagre, retiraram redes ilegais do Rio Tubarão.”, esclarece Wendell Estol, Diretor Geral do Sea Shepherd Brasil.

Rede de pesca ilegal encontrada no Rio Tubarão, em fev de 2014. Foto: Sea Shepherd Brasil

Em decorrência da ação judicial, em maio de 2014, houve uma audiência na Justiça Federal com a presença do Sea Shepherd, ICMBio, IBAMA, Polícia Militar Ambiental e moradores de Laguna. O major da Polícia Militar Ambiental admitiu que as denúncias do Sea Shepherd Brasil procedem, confirmando que uma das principais causas de mortes dos botos são as redes ilegais, presentes no Rio Tubarão. Posteriormente, a Polícia Militar Ambiental informou na ação judicial que intensificou a fiscalização na região.

“O Sea Shepherd mostra ao mundo, todos os anos, a matança e captura de muitos golfinhos em Taiji, Japão. O mundo condena e vê como uma prática cruel e anti-ética. E aqui no Brasil, as redes de pesca, presas de uma margem à outra na principal rota dos botos pescadores, também é uma prática cruel e anti-ética, além de ilegal. Pesquisadores apontam uma população de 50 (cinquenta) golfinhos, há uma década atrás eram uns 80 (oitenta), mas há moradores que afirmam não ter mais que (20) vinte. O Planeta está perdendo uma espécie rara diante do seu comportamento, presente apenas em outras três populações de golfinhos. Devemos refletir se a triste realidade de Taiji também está ocorrendo em nosso país, porque estas redes não dão a menor chance para o animal, é morte certa.”, pondera Renata Fortes, advogada do Sea Shepherd Brasil.

 “Zariguim”

No dia 25 de maio (2014) foi noticiada a morte de Zariguim, boto fêmea de aproximadamente três anos. Encontrada ainda presa a uma rede de pesca ilegal, no Rio Tubarão, Zariguim deixou muitos amigos, entre eles, o pescador Marcelo Faria.

Imagem do cadáver de Zariguim, preso a uma rede de pesca ilegal no Rio Tubarão. Foto: Marco Bocão

Marcelo Faria chora a morte de Zariguim. Foto: Ronaldo Amboni

“Eu respeito os Botos Pescadores”

“Eu respeito os Botos Pescadores, e vejo muitas outras pessoas que se preocupam, denuncias são feitas há muito tempo, mas nada muda, e eles estão morrendo.”, lamenta Nara Pessoa, moradora de Laguna.

A população local demonstra indignação a cada morte destes cetáceos, fazendo postagens das imagens e comentários na rede social Facebook. “(…)Temos que dar um basta nisso, essas mortes ocorrem todos os anos durante a desova dos bagres cabeçudos, quando pessoas inescrupulosas colocam redes feiticeiras (clandestina) a noite e recolhem na madrugada.
Com fiscalização ineficaz a pratica se torna comum na desembocadura do rio Tubarão, lagoas e canais. (…)”, manifestação de um morador.

“Solucionar esta questão é fácil, basta aumentar a fiscalização na região. Sem redes, sem jet ski e com o devido controle ambiental as atividades poluentes, os botos terão um ambiente equilibrado novamente.”, comenta o advogado, Luiz Albuquerque.

“Laguna é um porto natural em centenas de quilômetros de praia e os golfinhos a elegeram para uma misteriosa parceria com os homens.” comenta o pescador artesanal Latinho, fonte: Documentário sobre os Botos Pescadores veiculado no canal de televisão Animal Planet.

Moradores relataram que o boto conhecido como "Prego" saltou mais de 30 minutos sem parar em visível sofrimento, e se aproximou dos barcos dos pescadores pedindo ajuda. O animal apresentava sinais da doença de pele lobomicose, doença gerada pelo fungo Lacazia loboi, que ataca cetáceos e também seres humanos. O primeiro caso registrado em Laguna foi em 1993. Em 2011, um estudo estimou a presença da doença em 9% da população de golfinhos. A doença ainda não tem tratamento. Prego não foi mais visto na região

Campanha Cetáceos para Sempre  

Em 2014, o Sea Shepherd Brasil lançou a campanha Cetáceos para Sempre tendo como principais alvos a preservação do berçário das Baleias Franca, na região da unidade de conservação Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, e dos Botos Pescadores de Laguna, no Estado de Santa Catarina.

“Na reunião nacional do Sea Shepherd, em novembro (2014), decidimos investir pesado da proteção dos Botos Pescadores, já que conseguimos manter suspensa a atividade de maior impacto no berçário das baleias franca, o turismo de observação de baleias embarcado.”, informa Hugo Malagoli, Diretor Regional do Sea Shepherd Brasil, “pretendemos dar visibilidade nacional e internacional ao que está acontecendo com os Botos Pescadores, diante da crueldade e da possibilidade de serem extintos.”

A segunda fase da campanha já teve início, em novembro e dezembro (2014) voluntários do Sea Shepherd Brasil realizaram duas saídas de campo em Laguna. A primeira, juntamente com a Defesa civil, em vistoria embarcada para coleta de água da região e averiguação da presença de fauna contaminada, devido ao vazamento de produtos químicos no Rio Tubarão, de responsabilidade da Carbonífera Catarinense. O Sea Shepherd enviou ofício para a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FATMA) requerendo informações sobre o vazamento, e colocando à disposição do órgão os voluntários treinados no resgate da fauna atingida por derrame de produtos químicos.  A segunda saída foi para o monitoramento dos Botos Pescadores.

“Quando começamos a seguir nosso destino vimos muitas garrafas pet de 2 litros, 1 litro e ½ litro boiando no Rio Tubarão. O que despertou nossa curiosidade foi que com o vento elas ficavam no mesmo lugar. Pedimos ao condutor da lancha que se aproximasse para averiguarmos, para nossa surpresa eram as ‘’redes feiticeiras’’, (redes de espera) redes clandestinas esticadas de um lado ao outro no Rio Tubarão, colocadas por pescadores em plena luz do dia.”, comenta um dos voluntários do Sea Shepherd Brasil, e informa “contabilizamos 50 (cinquenta) redes feiticeiras no trajeto até Laguna.”

Garrafas pet que marcam a presença de rede de espera no Rio Tubarão. Foto: Sea Shepherd Brasil

Rede de espera no Rio Tubarão. Foto: Sea Shepherd Brasil.

Rede ilegal no Rio Tubarão. Foto: Sea Shepherd Brasil.

Os voluntários também registraram a presença de jet skis em local proibido. “No trajeto até Laguna, pelo Rio Tubarão e Lagoa de Santo Antônio dos Anjos contabilizamos 30 (trinta) motos náuticas (jet skis) em excesso de velocidade.“, informa um dos voluntários.

“Sabemos que há um crescente declínio na quantidade de peixes, e que o pescador artesanal tem sofrido com isso, mas a solução não pode ser a mais danosa para a fauna marinha. Há mecanismos como o defeso para garantir o sustento das famílias e a preservação da fauna da marinha. É uma questão de política pública.”, avalia Wendell Estol, Diretor Geral do Sea Shepherd Brasil.

O Sea Shepherd Brasil informa que está preparando um dossiê com todas as informações colhidas sobre os Botos Pescadores, para serem entregue às autoridades ainda no mês de dezembro.

 Acompanhe as próximas ações da Campanha Cetáceos para Sempre na preservação dos Botos Pescadores de Laguna.

Participe, a vida marinha agradece!

Borrachinha, Boto Pescador de Laguna. Foto: Ronaldo Amboni