Entrevista: Professor Walter Nisa
Por Guilherme Ferreira, voluntário do Instituto Sea Shepherd Brasil
Revisão: Igor Ramos, voluntário do Instituto Sea Shepherd Brasil
Na entrevista abaixo, o professor Walter Nisa* aborda temas como a criação de novas áreas de proteção, espécies em extinção, pesca predatória, Rio+20 e finning na costa brasileira. Nisa foi um dos colaboradores na criação do pedido de moratória para a pesca de tubarões em águas nacionais, entregue durante audiência pública realizada no Senado brasileiro, com participação do Instituto Sea Shepherd Brasil. Confira!
Quais os principais argumentos para o pedido de moratória, de 20 anos, para a pesca de tubarões, no litoral brasileiro?
Acredito que os principais motivos para uma moratória são decorrentes do descaso que se tem promovido ao longo dos anos com o táxon dos elasmobrânquios (raias e tubarões) pelos órgãos representantes do poder público envolvido nessa área, de proteção do meio ambiente, da pesca e de desenvolvimento do país.
Desde a década de 80 intensificou-se a pressão pesqueira por esse grupo, que anteriormente, era tratado como descarte de pesca. Nos anos 90, implementou-se através de incentivos econômicos a pesca industrial, que por conseguinte dizimou, em menos de 20 anos, os grandes tubarões da região sul do Brasil, principalmente no litoral do Rio Grande do Sul, que é a zona mais piscívora do país.
Com a super exploração dos grandes tubarões, a indústria passou para as capturas de tubarões costeiros, de menor tamanho e que também se encontram com seus estoques em níveis alarmantes.
Além de toda essa pressão pesqueira, no início do século XXI, assolou-se um flagelo maior ainda sobre esses organismos, a prática do finning – ainda praticado no Nordeste brasileiro e no sul do Brasil com muita voracidade e pouca fiscalização. Essa prática está assolando principalmente os tubarões, pois as barbatanas são exportadas para o Japão, China, entre outros países do Oriente. Outras condutas tem causado também um declínio populacional intenso e profundo nas raias. Esses são usados simplesmente para avolumar pratos tradicionais, por exemplo em casquinhas de siri e pratos com molhos. Teve-se lembrar; porem, que o desembarque ou comercialização das raias não é permitida.
Aliando-se a essa total pressão pesqueira, nesse grupo a maturação sexual é lenta e geralmente algumas fêmeas, principalmente, dos grandes tubarões, tem poucos filhotes a cada gestação. Seus períodos de acasalamento podem ser bianuais.
Com base nesses dados pode-se concluir que a suspensão da pesca dos Elasmobrânquios é extremamente necessária atualmente, principalmente para extinguir o finning no Brasil. Entretanto, a moratória de 20 anos seria quase que impossível fazer, pois a pesca não é seletiva; os tubarões e raias seriam capturados quando fossem colocadas as redes ou espinhéis. Outro motivo, é em relação a pesca artesanal, que é, também, extremamente lesada pela pesca industrial, e que detêm um enorme contingente de pescadores e que isso causaria um problema social imenso e quase que sem solução.
Acredito, fortemente, na criação de áreas de proteção ou melhor, áreas de exclusão pesqueiras, como as sugeridas ao representante da Sea Shepherd, Wendell Stoll, em sua apresentação ao Senado Federal. As áreas seriam o Parcel da Solidão e Parcel de Mostardas. Essas áreas deveriam ser protegidas contra a pesca predatória, o que não acontece em outras áreas, como por exemplo, a pesca nos arredores de Abrolhos.
Outra ação, extremamente simples é o controle via GPS das embarcações através de um sistema nacional de controle dos limites ou posicionamento das embarcações, tipo Sadeck Geo. Esse sistema permitiria o monitoramento e consequentemente não ocorreriam invasões em zonas de proteção ambiental e, em caso de insistência, a punição aos infratores poderia ser utilizada.
Estamos próximos de um colapso no meio ambiente marinho brasileiro se não tomarmos atitudes severas contra a pesca ilegal?
SIM! Como mencionado, os grandes tubarões estão com suas populações nos limites, se já não ultrapassaram, de recuperação e manutenção da diversidade genética. Diversas espécies de elasmobrânquios estão ameaçadas, em vários níveis, das categorizações da IUCN, e outras não apresentam estudos. Assim, não são categorizadas. Isso é lastimável!! Pois, no litoral do Brasil existem mais de 169 espécies de tubarões e 50 de raias, talvez até muito mais espécies ainda não descritas ou simplesmente não registradas.
Quais os principais impactos que a extinção de espécies de tubarões poderá causar na cadeia alimentar marinha?
Isso é muito complexo! Pois os tubarões fazem parte de distintos níveis tróficos das cadeias alimentares presentes nos oceanos. E, se cada uma das espécies, que faz parte dos níveis mais elevados, ou seja, predadores topo, os níveis inferiores terão aumento populacional desordenados e, consequentemente, os níveis inferiores entrarão em colapso, pois não suportarão esse aumento populacional.
A prática do finning ainda ocorre em águas brasileiras?
SIM! Principalmente, no nordeste e no sul do Brasil, por embarcações industriais provenientes de Itajaí (SC) e Rio Grande (RS). As barbatanas desembarcadas nesses portos já têm compradores esperando no local para exportá-las para o oriente. Existem capturas como a feita pelo Batalhão Ambiental no Rio Grande do Sul em 2009. Mas ainda é uma ação pontual, mesmo que mereça o nosso reconhecimento e respeito!
Em sua opinião quais os principais motivos para a precária fiscalização da pesca predatória no Brasil?
Falta de interesse em nível nacional e estadual! E uma ampla intensificação e promoção da pesca industrial em todo o país. Essa força à pesca industrial, tem como grande mola mestra, a exportação para o oriente de pescado e, principalmente, barbatanas, para as afrodisíacas, sopas de barbatanas de tubarões.
O que motivou o pedido de criação de duas unidades de conservação, denominadas Parcel da Solidão e Parcel de Mostardas, no Rio Grande do Sul?
Durante muitos anos, desde de 1989 acompanho as embarcações pesqueiras que partiam de Imbé; os mesmos sempre se dirigiam para os mesmos locais, ou seja, Parcel da Solidão e de Mostardas. E a pesca era, principalmente, direcionada à pesca da mangona. Essa espécie direcionava-se para essas regiões durante o verão para terem seus filhotes. Essas áreas são utilizadas ,para essa espécie e outras espécies de elasmobrânquios, como áreas de nascimento, berçário e alimentação. E as embarcações, direcionam-se para lá em virtude da pesca mais fácil e rentável. Assim, se essas áreas forem transformadas como Unidades de Conservação, os elasmobrânquios terão chances melhores de recuperação, caso contrário, os problemas continuarão e, tenderão a se intensificarem. E, outras espécies marinhas que também utilizam os locais como locais de alimentação e habitat seriam beneficiadas.
Em sua opinião a Rio+20 obteve algum avanço para as questões de conservação marinha brasileira?
NENHUM!!! A Rio+20 foi um circo!
Fale a respeito do projetos Pró-Squalus e do Projeto Carcharias?
O PROJETO CARCHARIAS é um amplo projeto amparado pela ONG PRÓ-SQUALUS (ORGANIZAÇÃO PARA A CONSERVAÇÃO DE ESQUALOS NO BRASIL). A fim que o Projeto Carcharias seja desenvolvido, unificou-se esforços entre a Universidade Luterana do Brasil Torres (ULBRA Torres) e a Colônia de Pescadores Z-18 de Passo de Torres (SC). O Projeto Carcharias atua desde 1997 com a preservação dos elasmobrânquios no sul do Brasil e no ano de 2000 foi criada a PRÓ-SQUALUS para gerenciar e captar recursos para o Projeto Carcharias. Trata-se de um programa para o estudo e conservação dos elasmobrânquios, assim como demais organismos marinhos na costa sul do Brasil, envolvendo os acadêmicos. As principais prioridades do Projeto, estão focadas no auxílio social, educacional e de saúde da Comunidade de Pescadores de Passo de Torres, que favorecerá o entendimento dos aspectos biologia dos tubarões da região Sul, bem como o desenvolvimento de estratégias para a conservação deste táxon. Em um passado recente, os pescadores têm sido considerados algozes na preservação do ambiente marinho quando, na verdade, os mesmos podem ser transformados em ativos defensores ambientais. Esse trabalho visa contribuir nos esforços de preservação dos organismos marinhos do litoral sul a partir de um melhor entendimento das angústias e necessidades dos pescadores e da população residente. As ações na área Assistencial, na Educacional e na Pesquisa Biológica. As atividades de ensino, pesquisa e extensão devem estar intrinsecamente relacionadas, lançando questionamentos e direcionamentos para parcerias entre profissionais de saúde e de educação em ações de saúde coletiva contribui muito para a ampliação das mesmas, facilitando e tornando ágil o trabalho das equipes de saúde. Esta parceria incrementa a resolutividade e a eficiência dos atendimentos prestados, principalmente na comunidade, pois extrapola os limites educacionais e transforma-se em local de lazer, de integração e de formação de cidadãos. Para assegurar uma vida saudável de contínua diversidade dos organismos marinhos, esta só será obtida através da promoção do uso sustentável e de um amplo gerenciamento e conservação.
*Walter de Nisa e Castro Neto graduou-se em Ciências Biológicas e Mestrado em Biociências (Zoologia) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em 2001. Desenvolve Doutorado em Genética e Toxicologia Aplicada. Atualmente é Coordenador Geral da Organização para a Pesquisa e a Conservação de Esqualos no Brasil – PRÓ-SQUALUS e Projeto Carcharias. Sendo a ONG desenvolve ações de conservação dos elasmobrânquios no sul do Brasil juntamente com a Colônia de Pescadores Z-18 (Passo de Torres – SC) desde 2000. Professor do Curso de Biologia da ULBRA – Torres. No Projeto Carcharias Coordena 9 projetos de pesquisa, contextualizados na Conservação de tubarões e raias do litoral do Rio Grande do Sul, Etnoictiologia relacionado à pesca artesanal de tubarões e raias do litoral do Rio Grande do Sul. E, principalmente, atua na pesquisa na dinâmica de Populações e Conservação da mangona (Carcharias taurus) no litoral rio-grandense.