Editorial

Outro capítulo acaba na aparentemente interminável guerra pelo fim da caça às baleias

Dr. Paul Spong resume o 63º encontro anual da Comissão Internacional da Baleia

Prefácio pelo Capitão Paul Watson

Uma das razões pela qual comecei a me envolver na defesa das baleias data de muitos anos atrás, em 1974, quando o Dr. Paul Spong conversou com Robert Hunter, Rod Marining, outros membros do Greenpeace, e eu, para sugerir que poderíamos intervir contra a caça comercial de baleias. Ele falou, nós ouvimos e agimos, e um ano depois o arpão que foi atirado bem próximo, em cima de nossas cabeças, foi televisionado no mundo todo – e a guerra para salvar o mundo das baleias começou. Agora, embora 35 anos depois, alguns de nós continue a travar estas batalhas em oceanos abertos, a realidade é que temos consistentemente ganhando.

Nós estamos, e continuamos combatendo esta indústria bárbara em uma constante, prolongada, paciente e épica odisséia, que tem deixado um rastro de navios baleeiros afundados, estações baleeiras abandonadas, e satisfatórias vitórias para a conservação das baleias em nossas vigílias.
 
Fechamos a frota baleeira Russa. Fechamos a frota comercial baleeira na Austrália, Chile, Peru, África do Sul e Coréia.  Nós abalroamos metade da frota baleeira da Islândia e a fechamos por quase uma década. Nós abalroamos os navios da Noruega,  e abalroamos metade da frota baleeira espanhola. Destruímos os navios piratas baleeiros Sierra, Astrid, Susan, e Theresa, enquanto uma baleia afundou o baleeiro pirata Tonna durante este tempo. Nós invadimos as praias da Sibéria, confrontamos os índios Makah na costa do Pacífico dos EUA, e envolvemos os marinheiros da Noruega, União Soviética, Portugal e Dinamarca. Neste processo, nós salvamos a vida de dezenas de milhares de baleias.

Também vamos não esquecer a maior conquista de todas: a moratória na caça baleeira comercial, que tomou efeito em 1987. Desde então,  temos conduzido batalhas com as nações renegadas do Japão, Islândia, Noruega, e as Ilhas Faroé.

A batalha está em andamento, e irá continuar, até que a arcaica, bárbara, infame e ilegal frota baleeira siga outras similares e contemporâneas práticas humanas que não duraram, como a prática de escravidão da América do Norte, Espanha, Portugal e Inglaterra, e a prática de queimar mulheres, tidas como bruxas, na fogueira.

Enquanto a Sea Shepherd completa um ano produtivo perseguindo os carniceiros de baleias-piloto do protetorado das Ilhas Faroé, e se preparando para retornar ao Oceano Atlântico para mais uma vez bloquearmos os proibidos arpões japoneses, a notoriamente corrupta Comissão Internacional da Baleia (CIB) pôs outro ano desnecessariamente improdutivo por trás disso.

Dr. Spong, um neurocientista e cetologista da Nova Zelândia, creditado com o aumento da consciência pública da caça baleeira, resume o encontro que ele recentemente participou com um relato que lança muita luz sobre as manipulações da indústria baleeira japonesa.

23 de julho de 2011
Comissão Internacional da Baleia 2011: Considerações

Nunca teriam conhecido isso, observando a cena de celebração na sala depois de fechados os negócios no quarto dia da Comissão Internacional da Baleia 63, como velhos amigos e inimigos dizem adeus um ao outro por pelo menos um ano, mas a Comissão Internacional da Baleia ultrapassou uma linha divisória de águas em Jersey. Eu fiquei tão aturdido e consternado que apenas bati uma foto, não querendo revelar no retrospecto, mesmo para mim mesmo, o intervalo entre o que era superficial e o que era real.

Para as baleias, houve um breve momento de luz, seguindo o acordo arduamente conseguido de que as cotas anuais de membros apenas poderão ser pagas por transferências bancárias. Isto não elimina totalmente a corrupção exuberante que o Japão tem usado como tática para ganhar, como os arrecadadores continuarão soltos na sala, mas isto limita a oportunidade de se adicionar novos votos ano após ano, até que o trabalho seja concluído (a maioria de 3/4).

Para o Japão e seus comparsas, isto é uma vitória total, que equivaleria a um golpe. Virtualmente, tudo que acontece na sala é dominado ou controlado pelo Japão. No início do encontro, o novo presidente, o comissário da África do Sul, Herman Oostrhuizen, parecia estar no controle, firme, mas não demorou muito para o Japão inclinar a balança. Depois de um problema técnico de meia manhã no primeiro dia, o Japão conseguiu uma mudança, usando a simpatia pela sua situação após os recentes desastres, um simples requerimento para uma mudança na agenda, alterando o tema seguramente no mar do terceiro dia para o primeiro item do dia dois. Isto foi uma decisão fatal para o Presidente corconrdar, porque uma vez que o Japão segura as rédeas do encontro, ele nunca solta.

Segurança no mar é um assunto difícil para muitos membros pró-caça. De um lado, eles entendem que os navios da Sea Shepherd são o único obstáculo no caminho do ultrajante comportamento japonês no Santuário do Oceano Antártico. Mas por outro lado, eles são obrigados ouvir as queixas do Japão, de que é uma vítima, ao invés de agressor. Encontro após encontro, o Japão invade a reunião com slides e vídeos dramáticos, e facilmente consegue a condenação das táticas da Sea Shepherd. Alguns membros são corajosos o bastante para apontar que a Comissão Internacional da Baleia é o fórum errado para trazer tal assunto, que é impotente para agir além das palavras, mas isso não atrapalha o objetivo japonês, que é de assegurar seu método pelo resto do encontro.

Levar as coisas do seu jeito fez com que o Japão conquistasse a maior parte do tempo em Jersey. Meus pensamentos pré-encontro era de que talvez o Japão pudesse usar a ocasião para consolidar a onda de simpatia e boa vontade internacional que tem recebido tão livremente, após o terrível terremoto e tsunami em 11 de maio, sinalizando concessões sobre a pegajosa questão internacional de caça as baleias. Eu devia estar sonhando, na medida em que imediatamente se comprovava de que eu passei longe da marca. Ao invés de fazer amigos e correções, como anunciar um fim para sua “pesquisa” de baleias no santuário da antártica, o Japão estava pronto para atacar. O meio que usaram foi a Reunião Privada dos Comissários, que leva qualquer assunto que o presidente considere complicado a portas fechadas. Tudo que o Japão tem a fazer é começar (ou contar) com um dos seus clientes, tanto quanto o pequeno St. Kitts & Nevis, para erguer uma parede de ofuscação e desvio em volta de qualquer escolha, e o presidente levou o encontro a uma sessão privada, das quais não há registro oficial, e das quais há apenas rumores, por tanto tempo quanto seja preciso para atingir um consenso. Há então um anuncio de um breve início de sessão e discussão do resultado, mas isto é um fato consumado.

O consenso se tornou uma ferramenta exercida efetivamente e com grande precisão pelo Japão e seus consortes nestes encontros. Longe de ser um meio para alcançar acordos sobre questões polêmicas, isto agora é uma poderosa arma opressora, usada principalmente pelo Japão, mas com o consentimento surpreendente de outros dispostos, como EUA e Nova Zelândia, que a princípio estavam do lado das baleias. Neste encontro, eles se juntaram ao novo presidente, que a primeira vista era um sujeito justo, mas que ameaçou terminar a reunião e se demitir, se o consenso não pudesse ser alcançado em um voto forçado.

O tema, neste caso, foi a proposta do Grupo Buenos Aires, dos membros da América Latina e Central, para criar um Santuário de Baleias do Atlântico Sul, o qual pode se juntar ao existente Santuário do Oceano Austral, fornecendo proteção adicional para as baleias, e também abrindo a porta para pesquisas significativas e oportunidades econômicas para as comunidades costeiras ao longo de suas fronteiras. Os proponentes foram admiravelmente pacientes, até agora esperando por 10 anos para alcançar seu objetivo, mas a mera idéia de um outro santuário de baleias apunhala o Japão e os baleeiros nórdicos, que consideram qualquer lugar seguro para baleias como uma ameaça à sua própria existência, e se opõem a ela com qualquer meio em suas mãos. O consenso se tornou o recurso do dia. Na sua aplicação dentro da Comissão Internacional da Baleia, tornou-se uma farsa, um fantoche para segurar um lugar nos bastidores, esperando para o futuro deste corpo vago a se desdobrar, com o Japão pacientemente segurando as cordas.

Todos sabem que o Japão está usando um consenso para forçar sua vontade sobre os fracos de espírito, mas praticamente ninguém se objetou, e nesta reunião, ninguém estava disposto a insistir em um voto sequer. Além disso, todos estavam dispostos a jogar fora uma função para a sociedade civil, um dado adquirido em fórum internacional, como a CITES, na vaga esperança de que este gesto possa trazer um mínimo de boa vontade nos processos. Não foi o caso.

Tal é o estado da democracia na Comissão Internacional da Baleia.

A hora da verdade deste encontro, que revelou o rosto do Japão em full HD, veio quando Joji Morishita, Comissário Assistente, tomou a palavra às 11:20 horas do quarto dia, aparentemente não para falar pelo Japão, mas em nome da facção de uso sustentável. Claramente, houve uma discussão prévia do que se seguiu. Morishita san é conhecido por suas habilidades lingüísticas, que ele agora usa primeiro a afirmar que ele precisaria de mais de dois minutos para falar sobre um assunto tão importante (nenhum comentário do presidente) e depois de elogiar o espírito da reunião, que alcançou resultados positivos maravilhosos como o acordo sobre a segurança no mar. Era importante manter a confiança, e a votação poderia impactar negativamente este exercício vital. Assegurando a reunião que ele não queria se envolver em um ato hostil, o Comissário Assistente para o Japão, em seguida, anunciou que o Grupo de Uso Sustentável iria quebrar o quorum da reunião, ao deixar a sala, se fosse aberta a votação. Um pouco mais tarde, depois de várias nações destacarem que o voto é um procedimento democrático normal, ou seja, nada a temer, Brasil e Argentina indicaram que eles ainda queriam um voto, e o Presidente pediu ao Secretário para se preparar para isso. Nesse ponto, reiterando que não foi um ato hostil, o Japão se levantou e saiu da sala, acompanhado de 21 outros membros. Foi o jogo do dia.

Ninguém que testemunhou a cena, o que levou diretamente para a interrupção abrupta da reunião nove horas mais tarde, poderia ter tido dúvidas sobre a determinação do Japão de usar todos os meios disponíveis, legal ou não, de impor sua vontade. A máscara estava desligado.

Ver o Japão chegar com mentiras, em frangalhos ao chão, como um brinquedo descartado por alguma criança, trouxe um profundo sentimento de tristeza para aqueles que, como eu, amam e admiram o Japão, de muitas formas. Por que os líderes do Japão não estão em sintonia com a maioria do mundo sobre esta questão? Vai além de mim.

Ironicamente, o que aconteceu em Jersey pode vir a ser benéfico para as baleias do mundo. Nada poderia ser mais claro do que isso, apesar das boas intenções e diligência de alguns membros, a CIB é incapaz de resolver até mesmo um subconjunto dos problemas enfrentados pelos cetáceos, grandes e pequenos, e os oceanos que habitam. Já passou da hora para a CIB ter atribuído o seu devido lugar histórico: uma nota de rodapé.

Talvez o melhor lugar para começar de novo é nas Nações Unidas. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) certamente tem espaço suficiente no seu mandato para adicionar proteção aos cetáceos e aos seus habitats, para a longa lista de questões e problemas que já ocupa. Tão brilhante, o Comissário da Comissão Internacional da Baleia de Mônaco, Frederick Briand, disse em um recente discurso da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em Nova York, pedindo a proteção de todos os cetáceos em todos os oceanos:

Espécies marinhas migratórias de cetáceos, todos as 76 delas, são um componente importante do oceano mundial. Por definição, elas não pertencem a um lugar particular, e muito menos a um partido específico. Elas são o nosso patrimônio comum, investidos na tutela da comunidade das nações, para o benefício das gerações atuais e futuras.

Traduzido por Tomaz Horn, voluntário do ISSB