Editorial

Controvérsia insana em Cape Cross

Comentário por Laurens de Groot, Diretor da Força O.R.C.A.

Força O.R.C.A. com ARP

A van de turismo para no estacionamento em Cape Cross. Vários estrangeiros desembarcam e são imediatamente saudados por uma brisa congelante e o cheiro horrendo de morte e putrefação. “Vocês se acostumarão com isso,” o guia promete com um sorrisinho, enquanto os visitantes caminham pela plataforma de madeira ao redor da área.

Olhos se iluminam. Diante dos turistas reluz a visão de milhares de focas da Reserva de Focas de Cape Cross – a maior colônia de reprodução no território continental na Namíbia. Flashes e o som do zoom de câmeras enchem o ar desta fria manhã de inverno. Felizes, com um profundo sentimento em relação ao que os cercam, os turistas apreciam um dos presentes mais belos da natureza para o homem.

Eu me sinto péssimo, não por ver rostos felizes, mas pelo que tenho que fazer em seguida. Eu vou arruinar a visita deles. Mas eu tenho que fazê-lo; eles precisam saber – somente eles podem conduzir a um fim. “Vocês sabem o que acontece aqui?” eu pergunto para um casal simpático da Itália, educadamente. Os rostos curiosos tentam adivinhar o que virá em seguida. Respiro fundo e a história de terror começa. Todas as manhãs, a partir de julho, quando as áreas de reprodução ainda estão envoltas em névoa, um veículo com tração nas quatro rodas estaciona na reserva. Seus passageiros verificam se há intrusos no perímetro. Uma vez que o caminho esteja livre, o comboio da morte tem permissão de se aproximar. Múltiplos carros de patrulha, uma van com trabalhadores e um caminhão amarelo de carga chegam de Hentiesbaai, um pequeno vilarejo há 60 quilômetros desta costa remota.

Com o sol nascendo lentamente sobre o horizonte, os homens começam o trabalho. Focas adultas assustadas rumam para a segurança do mar. Os filhotes permanecem em terra, entrando em pânico na praia. Os trabalhadores se tornam impiedosos caçadores de focas, cujos tacos esmagam o crânio de centenas de bebês foca. Os costões rochosos e praias arenosas são cobertos de sangue em alguns minutos. Os filhotes agonizando são cuidadosamente, mas brutalmente, atingidos no coração, para evitar danos ao seu valioso couro. Depois que o último grito se extingue, o caminhão se aproxima e os corpos são carregados. Uma vez que o carregamento foi concluído, os caçadores cobrem os rastros de sangue com areia, gaivotas estridentes lutam pelo que restou.

Logo depois das oito da manhã o comboio vai embora. Os carros de patrulha vão primeiro, para se certificar que ninguém interfira em seu negócio maligno. Finalmente o caminhão deixa o local, guiado por uma patrulha armada. Restam somente marcas de carros como testemunhas silenciosas do cruel massacre que acaba de acontecer.

Os caçadores dirigem até uma fábrica em Hentiesbaai, onde os filhotes são esfolados. O couro por fim acabará em uma fábrica na Turquia, onde um turco/australiano nativo de nome Hatem Yavuz transforma a pele em alta costura para sua clientela global sem consciência.

Menos de uma hora e meia depois do maior massacre mundial da vida marinha, os portões de Cape Cross são abertos para receber turistas nesta reserva única de pinípedes.

O casal observa boquiaberto, seus olhos animados agora cheios de tristeza. Eu me desculpo, mas explico por que eles precisam saber; somente a pressão da industria turística pode parar este massacre. Eles compreendem e prometem fazer uma reclamação ao seu agente de viagem. Uma pequena vitória, mas o suficiente por hora. Nós rumamos de volta às colinas do deserto da Namíbia, onde a Força O.R.C.A. continua sua missão de se certificar de que esta história de terror chegue ao resto do mundo. Uma vez que ganhemos os corações e mentes dos turistas, o decrescente número de visitantes forçará o governo corrupto a se curvar.

No entanto, ainda resta saber como a Namíbia interpreta os números referentes ao massacre de focas. Parece que o governo não consegue compreender o básico da economia. A renda da Namíbia proveniente da indústria de focas é de aproximadamente 120.000 dólares. Este não é o lucro final, não – ao contrário, isto é o recebido por Hatem Yavuz, que ri feliz da vida com uma renda de 3,25 milhões de dólares, derivada da venda de peles. Mas ele não está nem perto da Namíbia. Por outro lado, a indústria do turismo da Namíbia recebe milhões de dólares de visitantes que entram em Cape Cross a cada ano. Então o que o país africano deveria fazer? Continuar a dizimar a população da vulnerável colônia de focas ou proteger sua vida selvagem e investir em ecoturismo, criando mais empregos – sim, mesmo para os caçadores – e criar uma receita lucrativa pela dádiva de focas vivas ao invés de mortas? Eu sei, qualquer um com bom senso veria estas questões como retóricas. Mas não a Namíbia. No ano passado a Sea Shepherd ofereceu 30.000 dólares (mais do que todos os caçadores lucram juntos) para serem investidos na promoção do ecoturismo se eles parassem o massacre. A oferta foi recusada.

Jovem foca de Cape Cross

Porque a situação em Cape Cross é insanamente controversa, este é nosso foco na Namíbia. Há massacres de focas nas baias de Atlas e Wolf, próximas a Luderitz também, mas Cape Cross deve ser nosso ponto inicial para terminar com o massacre bárbaro na Namíbia. A área é uma reserva oficial, assim como as águas da Antártica são um santuário de baleias. O povo namíbio declarou Cape Cross como um lugar protegido para focas. Quando um país decide que um local é sagrado, se torna dever do governo se certificar que a reserva é protegida. Se eles falharem, depende dos indivíduos garantirem que isso aconteça. Não é apenas uma questão local ou mesmo nacional, se trata de proteger uma espécie ameaçada mundialmente. Nós vivemos em uma aldeia global e uma vez que tomamos conhecimento sobre uma atrocidade direcionada a uma espécie ameaçada – não importa de onde viemos – nós deveríamos agir quando podemos.

Após a Operação Focas do Deserto I, representantes da Sea Shepherd se encontraram com o ouvidor da Namíbia e muitos outros grupos de interesse. A assim chamada Voz do Povo Namíbio prometeu iniciar uma dura investigação observando todos os lados da história. Isso nunca foi cumprido. Nunca tiveram grupos independentes de pesquisas para avaliar o impacto do massacre na colônia de focas de Cape Cross, muito menos resolver a prática desumana de matar focas. O ouvidor se apoiou em relatórios fabricados pelo Ministério da Pesca, que não tem outro interesse se não o de matar focas, culpando as criaturas – que dependem do mar para sua sobrevivência – por comer todo o peixe. Não é difícil ver que tal afirmação é simplesmente falsa – atualmente uma simples pesquisa no Google com as palavras ‘sobrepesca África’ mostrará que a pesca depleta as águas africanas, não os animais que viveram em harmonia com o oceano por milhares de anos.

O ouvidor concluiu que o massacre poderia continuar. Nós discordamos e soubemos imediatamente que, apesar de todos os riscos, a Sea Shepherd tinha que voltar ao país sul africano para ajudar as focas.

Nossa estratégia é simples: expor o negócio sujo e secreto de abate de focas, que é tão cuidadosamente encoberto. Nós sabíamos o que esperar: embarcações da marinha, polícia corrupta, guardas armados e um clima duro para se trabalhar. Ainda assim nós decidimos virar o jogo ao nosso favor. Se o inimigo é grande, nós temos que ser pequenos, se o terreno é inóspito, nós precisamos encontrar lugares que o inimigo não queira frequentar. Se a luz do dia te expõe, você trabalha durante longas noites de inverno. Se eles esperam que você venha por terra ou mar, você usa a única área em que eles não podem nos encontrar, neste caso – o ar.

O único caminho até a bem guardada Reserva seria usando aeronaves remotamente pilotadas (ARP). Durante o massacre, o espaço aéreo é restrito, então encontrar alguém que voe em um helicóptero ou avião e evitar ser pego é impossível. Depois nós tivemos que trazer os ARPs, que são leves, fáceis de transportar e não parecem muito com equipamento militar. Significa que teríamos que confiar no alcance, resistência e capacidade da câmera. E, além disso, teria de ser um investimento efetivo. Nós não poderíamos antecipar o que iria acontecer quando nós cruzássemos a fronteira. Não poderíamos correr o risco de ter um equipamento muito avançado e caro confiscados antes de termos uma chance de sucesso. Durante nossa preparação, percebemos que nosso plano tornou-se cada vez mais uma missão impossível. Mas ficamos com a frase que o Capitão Watson usa frequentemente “causas perdidas são as únicas causas que vale a pena lutar”.

Então aqui estamos nós, em um local não divulgado no vasto deserto da Namíbia, recém saídos de nosso primeiro teste de voo com sucesso sobre Cape Cross. Tudo que precisamos agora é sorte com o terrível inverno e com nosso equipamento de voo que pode ser atacado pelos ventos e pela areia.

Nós não precisamos de muito, nós só queremos mostrar para o governo da Namíbia e para nossos defensores globais o que podemos realizar com poucas ferramentas, para que possamos voltar ano após ano para continuar a expor o segredo sujo da Namíbia, divulgando ao vivo na internet se for necessário.

Sobrevoar a área irá assustar e enfurecer os caçadores e envergonhar os oficiais corruptos que aceitam suborno para manter o massacre. A Força O.R.C.A. mostrará a eles que podem gastar todo o dinheiro do mundo para acobertar o massacre, mas nós continuaremos expondo a verdade por traz da segunda maior atração turística. Pode ser uma luta longa e difícil para convencer a indústria do turismo, o povo namibio e os políticos para restaurar a paz nesta Reserva de Focas de Cape Cross e deixar a natureza seguir seu curso, mas nosso time nunca deixará as focas para trás. Nós estamos cientes: na África há sempre um longo voo rumo à liberdade.

Rastros de veículos são tudo o que resta após o massacre de focas

Na plataforma, turistas observam as focas

Traduzido por Flávia Milão, voluntária do Instituto Sea Shepherd Brasil