Em homenagem ao aniversário, em 12 de maio, do nosso querido presidente internacional Farley Mowat, o capitão Alex Cornelissen escreveu um tributo ao R/V Farley Mowat – o Navio Almirante da Sea Shepherd de 2002 a 2008.
Farley Mowat – Uma lenda
Pelo Capitão Alex Cornelissen
Foi há quatro anos, durante a campanha pelas focas de 2008, que pisei pela última vez a bordo do navio-almirante da Sea Shepherd , o Farley Mowat. O primeiro oficial Peter Hammarstedt e eu tínhamos acabado de ser libertados da prisão pelo terrível crime de testemunhar a caça às focas no Canadá sem termos permissão. Por lei, no Canadá, uma pessoa precisa ter uma permissão para testemunhar e documentar a matança das focas. Nosso presidente internacional, Sr. Farley Mowat generosamente pagou nossa fiança e na boa tradição pirata da Sea Shepherd, o Capitão Paul Watson pagou a fiança em moedas. As autoridades canadenses apreenderam o navio ao largo da costa de Newfoundland, e ele está atualmente atracado na Nova Escócia.
Fomos autorizados a recolher nossos objetos pessoais antes de sermos deportados para sempre do Canadá. Eu me lembro vividamente de meu último momento no navio, que tinha sido meu lar pelos últimos seis anos. Ver o estado da embarcação me reafirmou de que tínhamos realmente o levado além de seu limite. O Farley Mowat estava, realmente, pronto para ser aposentado.
O começo do Farley
O navio foi construído em 1958, como o barco de arrasto norueguês de pesquisa de pesca, Johan Hjort. Em 1983, a embarcação foi rebatizada de Skandi Ocean (ainda dá para ver o nome soldado na popa).
Um dos propósitos iniciais do navio era ser um navio-espião em busca de submarinos russos no Mar Báltico. Depois de um grande reaparelhamento em 1991, o navio continuou como resgate de plataforma de petróleo e navio de espera e, finalmente, terminou em posse da Sea Shepherd, em 1996. Primeiro, rebatizado de Sea Shepherd III, mais tarde convertido em Ocean Warrior e, finalmente, em Farley Mowat.
Juntei-me pela primeira vez ao Farley em Galápagos, em julho de 2002, apenas semanas após ter sido rebatizado pela última vez. Nunca vou me esquecer de minha primeira noite no mar. Tínhamos deixado Galápagos à meia-noite, e alguns de nós ainda estavam acordados quando os primeiros golfinhos da jornada apareceram. Para nosso deleite, vimos o Farley deslizando pelas águas repletas de bioluminescência, e foi emocionante ver os golfinhos descendo nossas ondas de proa, como fantasmas, envoltos por luz.
Muitas vezes desde então tenho testemunhado a bioluminescência, mas apenas em algumas ocasiões isto coincide com a presença de golfinhos. Dentro de algumas horas após este maravilhoso evento, nós descobrimos uma linha longa ilegal, bem no interior da Reserva Marinha de Galápagos. Começamos a puxar, anzol após anzol, e libertar tubarões, atuns e uma tartaruga. Fui o primeiro na água a libertar a tartaruga da morte, e me lembro de pensar, enquanto a tartaruga nadava, se afastando, que me juntei à organização certa.
O Farley seguiu para a Polinésia Francesa e Nova Zelândia. Aí nós preparamos o navio para o que ia ser a primeira de muitas campanhas na Antártica contra a frota baleeira japonesa.
Nos anos seguintes, o Farley nos levou para o mundo todo, fazendo campanhas em áreas onde éramos mais necessários. Protegemos a vida selvagem em Galápagos, França, Polinésia, Ilhas Cook, Kiribati, Malpelo, Brasil, Canadá, África do Sul e Antártica, libertando golfinhos, focas, baleias, tubarões, tartarugas, raias e peixes nos Oceanos do Sul, Índico, Atlântico e Pacífico.
Durante a campanha pelas focas, em 2005, as coisas quase saíram horrivelmente erradas. Tivemos o casco quebrado – estávamos afundando – a dias de distância da costa. Nossas bombas não eram páreo para a pressão com a qual a água do mar entrava no navio. Não tínhamos opção, a não ser mergulhar sob o navio, apesar do mar revolto. Só mesmo pura sorte para nos prevenir de sermos nocauteados pelo casco. Contra todas as probabilidades, eu encontrei o furo, do tamanho de uma moeda de um quarto de dólar, e o fechamos com uma cunha. Claro que, sendo holandês, meu apelido se tornou Hans Brinker pelo resto da campanha.
Após uma bem-sucedida campanha pelas focas e uma mais bem-sucedida (e necessária) doca seca, retornamos para nossa segunda campanha na Antártica. Dessa vez nossos apoiadores australianos nos mandaram bem praparados, uma base de apoio mais apaixonada que tem crescido desde então.
Para mim, a vida a bordo começou como cozinheiro-chefe, mas não demorou muito para me mudar para a ponte. Tendo passado pelas categorias, Pau me indicou Capitão do Farley Mowat em fevereiro de 2006, e imediatamente me presenteou com um grande desafio. O Farley estava sob uma detenção política na Cidade do Cabo, na África do Sul, e todas as negociações próximas à partida falharam. Meu primeiro ato como Capitão foi navegar o Farley, sob o manto da noite, para fora do porto da Cidade do Cabo. Obviamente, não tínhamos permissão, assim, caso fôssemos pegos, nós iríamos encarar a prisão. Paul me disse mais cedo naquele dia “o que quer que faça, não pare para ninguém”. Eu tenho aceitado esse conselho de coração muitas vezes desde então. Nós fomos embora e fomos recebidos como heróis na Austrália. O prefeito de Freemantle presenteou o Farley Mowat com a placa da cidade, e nos concedeu porto honorário.
Ao longo dos anos, o Farley Mowat passou por tempestades que me deram calafrios. Ondas de até 50 pés certamente não foram exceção. Muitas vezes nós éramos atirados sobre o navio como brinquedos, tornando-nos especialistas em amarrações. O navio quase afundou em três ocasiões diferentes, e somente a determinação do Capitão Watson e da tripulação manteve o Farley a tona. O navio quebrou gelo suficientemente espesso para recorrer a um quebra-gelo, e parecia não se incomodar com isso.
As condições eram espartanas. Para dizer o mínimo, um chuveiro e dois toaletes para toda a tripulação. A verba era pouca, muitas vezes passávamos meses no porto à espera de dinheiro suficiente para comprar combustível. Éramos muito dependentes da generosidade das pessoas para nos alimentarmos. Também parecia que estávamos sempre nos portos mais quentes do mundo, tornando a manutenção do navio quase um desafio.
Apesar de tudo isso, encontrei poucas pessoas que não aproveitaram seu tempo no Farley Mowat. Até hoje, a tripulação veterana fala com orgulho sobre os dias que passamos a bordo do navio. O Farley era mais do que um lar, o Farley era nossa biga e nunca falhou em nos levar ao coração da batalha. Nós amamos aquele navio e o navio tomou conta de nós, sempre lutando contra todas as adversidades.
Toda campanha era dita ser a última, com o navio se aproximando da aposentadoria. Mas navios como Farley Mowat são difíceis de achar, e sempre nos encontrávamos a bordo para mais uma “última campanha”. Nós removemos e reinstalamos equipamentos e objetos de valor numerosas vezes, entre 2005 e 2008. Com essa aposentadoria pendente, parecia que nossos oponentes nos temiam mais ainda que o usual. A Sea Shepherd ficou conhecida por navegar em direção ao perigo, mas uma embarcação que não precisava voltar para o porto, junto com voluntários apaixonados, é uma combinação ainda mais assustadora (isso é aquele enorme abridor de latas que instalamos).
Então aqui estávamos de volta, na campanha pelas focas, em abril de 2008. Dois barcos infláveis transportando um esquadrão tático de elite da Polícia Real Montada do Canadá, armado com espingardas e metralhadoras, e estavam vindo em nossa direção. Dedos no gatilho, prontos a atirar contra a menor resistência, enquanto subiam a bordo do Farley Mowat. Nós fomos presos e transportados para um navio quebra-gelo da guarda-costeira. Quando olhei para baixo no navio quebra-gelo não pude evitar rir. A equipe de elite estava posando para uma foto em frente à caveira com ossos cruzados da Sea Shepherd. Acho que bem no fundo todos nós queremos ser piratas.
Em nome de toda a organização, parabéns, Mr. Farley Mowat, em seu aniversário, e obrigado por nos deixar nomear esse lendário navio em sua homenagem.
NOTA: Até hoje, o Farley Mowat continua a ser uma praga para o governo canadense. Todo dia o Farley aportado custa dinheiro do governo canadense, enquanto eles tentam descobrir o que fazer com o navio. A aposentadoria não custou um centavo à Sea Shepherd, e por essa nós agradecemos o governo canadense. Ficamos satisfeitos por eles entenderem que nossas verbas são melhor gastas em campanhas para proteger a vida marinha, como a foca-harpa canadense.
Traduzido por Drica de Castro, voluntária do Instituto Sea Shepherd Brasil