Editorial

Reflexões sobre o encontro com o Ombudsman da Namíbia

Comentário de Nikki Botha, membro da Operação Focas do Deserto

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Imprensa se reune fora da reunião para entrevistar as partes interessadas. Foto: Nikki Botha

Depois de anos de campanha contra a infundada e anual caça de focas na Namíbia, as coisas finalmente parecem tomar rumo quando o Ombudsman propôs uma reunião com os intervenientes (acionistas, donos, etc.) e partes interessadas (graças aos persistentes esforços da Seal Alert South Africa e da Sea Shepherd). A agenda incluía discussões sobre a legalidade da caça, exploração de recursos naturais vivos e métodos para matar as focas na Namíbia. Oito grupos de lobby anti-caça de focas compareceram no total, enquanto apenas três grupos de lobby pró-caça de focas foram representados – um dos quais nem se importou em comparecer, apesar de ter recebido espaço para participar da agenda.

Os membros participantes incluíam:

Nikki Botha – South African Seal Saving Initiative (África do Sul)
Steve Roest – Sea Shepherd Conservation Society (Reino Unido)
Laurens de Groot – Sea Shepherd Conservation Society (Holanda)
Pat Dickens – The Seals of Nam (África do Sul)
Peter Edwards – Advogado representando a Seal Alert South Africa; WSPA (Internacional) and NSPCA (África do Sul)
Sheryl Fink – IFAW (Canadá)
Dr. Gibson – SPCA (Namíbia)
Andries Venter – NSPCA (África do Sul)
Representante – Seal Products (Pty) Ltd. (Namíbia)
Representantes – Ministério de Pesca e Recursos Marinhos (Namíbia)

Antes da reunião, os representantes tiveram a oportunidade de se conhecer e interagir entre si, e a imprensa teve oportunidade de tirar fotos para suas respectivas publicações. O Ombudsman foi aberto e convidativo durante a discussão informal. Ele articulou claramente suas expectativas e os papéis dos vários participantes durante a reunião. Salientou a importância da representação factual, já que não pode chegar a conclusões justas e objetivas se baseando apenas em emoções e suposições. Nesse quesito, todos os grupos de lobby anti-caça atuaram excepcionalmente bem. Havia uma frente unida e forte e todos estavam de acordo que a caça é não apenas desumana, mas é, sem sombra de dúvida, uma violação e quebra de direitos constitucionais e humanos, baseados na legislação local referente tanto à caça quanto à proteção de animais.

A South African Seal Saving Initiative (SA.SSI) apresentou evidências de violações de direitos humanos e constitucionais nesse programa, em particular de “gerenciamento da conservação” de mamíferos marinhos, salientou a ligação já documentada entre abuso animal e violência doméstica, e com dados sólidos da CITES sobre comércio, questionou o quão precisa é a regulamentação desse comércio. Em média, pouco menos de 42.000 peles de foca e pedaços de pele foram exportadas sob o acordo da CITES em um período de 16 anos. Isso exclui dados de 2010, que mostram que apenas quatro peles e seis produtos de couro foram exportados em todo o ano. Se a cota anual total de caça é de 85.000 filhotes e 6.000 machos, é possível questionar razoavelmente o equilíbrio destes dados quando unidos às permissões de exportação dadas pela CITES. Ainda assim, o governo da Namíbia ainda mantém, e isso foi mencionado na reunião, que não há nenhuma contravenção em relação ao acordo, e que o mesmo é levado a sério e suas restrições são seguidas rigorosamente. Uma declaração emitida pelo Ministério de Pesca e Recursos Marinhos e publicada em jornais na manhã da reunião afirma que as focas-do-cabo não são uma espécie em extinção de acordo com o Apêndice II (CITES), mas que essa identificação é um caso de identidade errada, já que as focas-do-cabo são muito similares a outra espécie de foca encontradas em outros locais no mundo.

Essa parte da declaração de uma página diz:

“A espécie de foca, Arctocephallus pusillus (foca-do-cabo) na Namíbia NÃO está em perigo de extinção. Elas estão identificadas no Apêndice II da CITES, não porque estão em perigo, mas porque se assemelham à Arctocephalus townsendi e focas das famílias otariidae e phocidae, as quais estão em perigo em outros locais do mundo.”

Representantes de vários grupos conservacionistas. Foto: Nikki Botha

Representantes de vários grupos conservacionistas. Foto: Nikki Botha

A diligência com a qual o grupo de lobby anti-caça executou as tarefas necessárias foi equivalente à negligência com a qual o grupo de lobby pró-caça executou as suas.

Infelizmente, o representante da Seal Products (Pty) Ltda. escolheu utilizar os seus 30 minutos ofendendo a maioria dos interessados despejando retóricas nacionalistas, preconceituosas e xenofóbicas, e não conseguiu dar informações e dados ou apresentar ao Ombudsman fatos que corroborassem a legalidade da caça. Ele, em mais de uma ocasião, deixou claro que se sentia insultado de ter que dividir a plataforma e a sala com “esses estrangeiros” e “essas pessoas”. Ele afirmou que nossas apresentações e argumentos eram baseados em nada mais do que sensacionalismo e emoções. Sua tangente era reminiscente de um pensamento do tipo de Mugabe.

Os representantes do Ministério de Pesca e Recursos Marítimos não foram muito melhor. O orador do grupo acusou alguns participantes de serem criminosos por terem editado a filmagem da caça (feita pelo premiado cinegrafista Bart Smithers) para causar sensacionalismo, e dizerem que focas não comem peixes. Mais uma vez referências foram feitas a “essas pessoas, aquelas pessoas, os estrangeiros e os europeus”. Gráficos mal feitos e mal explicados foram apresentados como evidência para sustentar a utilização sustentável, e vagas e infundadas afirmações dominaram a apresentação. O conteúdo de sua fala foi tão ofensivo que dois participantes se levantaram e deixaram a reunião.

Como o ombudsman não estava lá para julgar, mas para coletar informações fundamentadas para chegar a uma conclusão a respeito da legalidade da caça, ele pacientemente continuou a ouvir e fazer perguntas quando alguns assuntos precisavam de mais clarificações.

Os interessados ficaram extremamente desapontados com a atitude xenofóbica dos representantes do grupo de lobby pró-caça. Não apenas foi desnecessário, mas também serviu para demonstrar a clara falta de compreensão de seu próprio processo (o que pôde ser visto quando seus argumentos se focam em insultar visitantes em seu país) e falta de cooperação para encontrar uma resolução pacífica e não-violenta para este assunto. Apesar do Ombudsman ter encorajado abertura e honestidade, os implacáveis ataques xenofóbicos prejudicaram a reunião e alienaram os amigos da Namíbia que têm uma grande preocupação em relação ao impacto da caça nos bons cidadãos de um país verdadeiramente deslumbrante.

O Ombudsman pediu repetidas vezes que fatos fossem apresentados mas as apresentações mal preparadas levadas pelo grupo de lobby pró-caça não atenderam às requisições do Ombudsman. Todos os interessados receberam chances igualmente, e esses grupos desperdiçaram uma grande oportunidade de provar que os grupos anti-caça estavam errados. Seu desdém impediu que participassem de uma discussão significativa e construtiva. Muitos dos interessados se esforçaram tremendamente para apresentar seus argumentos e ouvir os contra-argumentos. A maioria ficou sem ver suas famílias para poder dar sua contribuição para este encontro.

Está claro que não estamos lutando contra uma causa, mas sim contra uma maneira de pensar baseada em premissas nacionalistas e de orgulho cultural. No entanto, não há desculpa para exploração, tortura, mutilação e/ou abuso de qualquer tipo. Esse tipo de comportamento negligente não tem lugar em uma sociedade civil – a cultura deveria ser um conceito maleável, adaptável e que evolui com o tempo.

Em um subsequente artigo de jornal, também publicado no jornal New Era, pertencente ao Estado, Hatem Yavuz, um personagem central na caça, descreve a reunião como uma “perda de tempo e poluição sonora”.

Essa declaração é altamente insultante e desrespeita o Gabinete do Ombudsman. Ridiculariza a tarefa confiada ao seu Gabinete. Também significa que chamar as partes interessadas para apresentar seus argumentos é nada mais do que uma camuflagem burocrática e que o Ombudsman não tem a menor intenção de honrar seu comprometimento. A SA.SSI e a Sea Shepherd acreditam que o Gabinete irá levar isso em consideração quando chegar à suas conclusões.

Nossa sincera gratidão vai para Vanessa, Elize e para o advogado John Walters (o Ombudsman) pela excelente organização e pela recepção calorosa e amistosa. Obrigado também ao Steve e Laurens da Sea Shepherd pela sua participação e amizade, Pat e Sheryl, Dr. Gibson, Andries e Francois. Que possamos crescer de força em força na nossa jornada para transformar esse mundo em um lar pacífico para todos os seres vivos.

*A Sea Shepherd e a SA.SSI acreditam na preservação de toda forma de vida senciente, mas tem um foco particular em mamíferos marinhos e no papel importante que eles tem na manutenção de um planeta saudável. E nessa base que essas duas organizações alocaram recursos para lutar contra esse massacre sem sentido. O assunto não é exclusivamente Namíbio. Ações como a morte em massa de um predador de pico tem um efeito dominó nos nossos oceanos e esse efeito dominó é quase sempre negativo. Ambas as organizações irão continuar a se opor e se engajar ativamente contra aqueles que acreditam na profanação daquilo que constituti 70% do nosso planeta.

Traduzido por Marcelo C. R. Melo, voluntário do ISSB.