Editorial

A industrialização japonesa da destruição dos oceanos

Comentário por Gary Stokes, Diretor da Sea Shepherd Hong Kong

Tubarões dizimados em escala industrial pela Sanriku Kakou Corporation. Foto: Kim McCoy / Sea Shepherd

Recentemente, o Japão anunciou que, apesar da decisão de proteger cinco espécies de tubarões na reunião da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção), a 16ª Conferência das Partes (CoP16), realizada em Bangkok, em março deste ano, está entrando com uma “reserva” (ou seja, ele vai ignorar a decisão), pois não reconhece a CITES como um corpo responsável pelas espécies do mar. A última vez que verifiquei, uma espécie ameaçada era uma espécie em extinção, independentemente de onde vive, mas o Japão e vários outros países desonestos, como Cingapura, acreditam que a CITES “não deve se envolver” e a gestão das nossas pescarias deve ser deixada para Organizações Regionais de Gestão da Pesca (ORP). O argumento da maioria das ONGs e cientistas é que, se as ORP estivessem fazendo um bom trabalho na gestão de suas pescarias, as espécies nunca precisariam de propostas de proteção na CITES.

Eu estava na reunião da CoP16 da CITES em Bangkok, representando a Sea Shepherd, e como eu relatei antes, eu estava impressionado com a maneira como o negócio estava sendo conduzido por vários países membros. Quando se trata do abate global de tubarões os holofotes sempre se voltam para a China, os maiores consumidores mundiais da infame sopa de barbatana de tubarão. No entanto, algo não chegou a ser considerado na CITES.

A delegação chinesa, enquanto, obviamente, estava contra as propostas de proteção ao tubarão, foi digna e passiva em seu lobby. Eles se engajaram em reuniões paralelas realizadas pelos grupos anti-tubarão e levantaram alguns pontos válidos. O Japão, por outro lado, foi freneticamente correndo fazer acordos com outros países para garantir o seu voto de apoio, quase como se suas vidas dependessem disso. Quando o voto foi contra eles, eu estava meio que esperando alguns dos delegados caírem sobre suas espadas, mas a cultura samurai nobre, obviamente, não se estendia à delegação japonesa da CITES.

Estranhamente na CITES os países signatários podem entrar com o que é conhecido como uma “reserva” se o voto não for como queriam! Isso basicamente indica para o resto do mundo que eles não vão seguir as decisões que todos votaram, infelizmente, tornando a CITES impotente aos olhos de muitos. A recente “reserva” do Japão é mais uma prova de que o problema dos tubarões é tanto uma questão japonesa quanto chinesa. Apesar da “reserva” do Japão, a China agradavelmente surpreendeu o mundo com a seguinte declaração:

“A China tem avisado a Secretaria da CITES, que, ao mesmo tempo que se opôs à inclusão destas espécies de tubarão nos Apêndices da CITES na CoP16, continua a ter preocupações em relação à implementação, no espírito de cooperação internacional no âmbito da CITES, com pleno respeito pelas decisões tomadas na COP16 , a China vai aplicar as regras da CITES para estas espécies. Por isso, não apresenta quaisquer reservas.”

Então, por que o Japão está tão preocupado com qualquer proteção para os tubarões? Com certeza deveriam ser só os chineses a fazer um inferno?

Bem, desde os anos 1950, o Japão tem dizimado tubarões em escala industrial. A melhor notícia para o Japão foi quando a preferência chinesa por sopa de barbatana de tubarão viu uma reinvenção e realmente decolou na década de 1960. O mundo da conservação tem sido atraído para essa distração conveniente. Enquanto todo mundo está culpando a China pelo abate global de tubarões, ninguém notou os japoneses e suas fábricas industriais que se criaram em torno do processamento mundial de tubarões nos últimos 60 anos. Não me interpretem mal, a demanda de barbatana de tubarão é um fator determinante no massacre em massa global de tubarões, mas também há algo mais escondido abaixo da superfície …

Empregado da Sanriku Kakou Corporation remove as barbatanas de um dos tubarões. Foto: Kim McCoy / Sea Shepherd

SULFATO DE CONDROITINA

O sulfato de condroitina vem da cartilagem de tubarão e está emparelhado com a glucosamina na indústria farmacêutica, como uma substância que causa alívio para a dor nas articulações. Ele é vendido em todo o mundo. Tenho certeza que todos vocês já viram as cápsulas de tubarão nas farmácias, ao lado das multi-vitaminas!

Uma das maiores empresas japonesas produtoras de sulfato de condroitina é a Seikagaku Corporation. Formada em 1947, a produção industrial do sulfato de condroitina como um produto farmacêutico começou em 1950.

Hoje, seu principal produto nos negócios no exterior é a função de melhorar a articulação do agente ARTZ® e SUPARTZ®, lançados na Suécia em 1992 e, agora, aprovados em 18 países. Nos EUA, estima-se que o envelhecimento da população tenha um aumento de mais de 3% ao ano e, portanto, a demanda por drogas que melhorem a função articular deve crescer.

No início de 2000, eles diziam:

“Usamos mais tubarões do que qualquer outra pessoa no mundo!”

Para ajudar a salvar os tubarões, não use produtos de cartilagem de tubarão. Foto: Sea Shepherd Hong Kong / Gary Stokes

Com a frota de pesca do mundo visando tubarões para suas barbatanas altamente valorizadas, empresas como a Sanriku Kakou Corporation compram os cadáveres aparentemente de baixo valor, quase como um favor. Eles, então, processam a cartilagem e vendem para as empresas farmacêuticas, como a Seikagaku Corporation, Kenko Corporation ou Maruha Nichiro Foods Inc. O tsunami de 2011 causou “danos catastróficos” para a planta de processamento de matérias-primas da Sanriku Kakou, em Kesennuma City, no entanto, devido a estoques de sulfato de condroitina, a produção farmacêutica e a entrega não foram afetadas.

Segundo um relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), a cartilagem do tubarão-azul (Prionace glaucais) contém os mais altos níveis de sulfato de condroitina. O relatório ainda diz que “algumas espécies de tubarão capturadas pela pesca do atum com palangre são utilizadas para o consumo doméstico de sua carne, exceto o tubarão-azul, que não é adequado para ser usado como carne fresca ou congelada, mas pode ser usado como matéria-prima para alimentos processados, como surimi”.

Kesennuma é o maior porto da pesca de tubarão do Japão, com a manipulação de 90% de todos os tubarões desembarcaram no Japão. Kesennuma lida principalmente com o tubarão-azul, que compõe 80% de sua captura. Shimizu, o segundo maior porto de desembarque de tubarão no Japão, tem 70% de sua captura dos tubarões-azuis.

Por isso, é bastante óbvio que o Japão está direcionando na casa das centenas de milhares de tubarões-azuis para a produção do sulfato de condroitina, altamente valorizado. Por que mais eles têm como alvo os tubarões-azuis sobre outras espécies? A planta de processamento de tubarão em Kesennuma foi completamente dizimada no tsunami de 2011, mas também foi a primeira instalação a ser imediatamente reconstruída com fundos de ajuda do tsunami – outro grande exemplo do uso do dinheiro do fundo em uma boa causa. É um alívio saber que se o seu dinheiro doado para os fundos de ajuda do tsunami não está sendo usado ​​para financiar os baleeiros para que eles possam matar baleias no Oceano Antártico, o dinheiro está indo para processar o massacre de tubarões!

Com a recente adição dessas cinco espécies de tubarões ao apêndices da CITES, o Japão está obviamente preocupado que isso vai abrir as comportas para uma infinidade de outros tubarões (incluindo os azuis) para também serem listados na próxima CoP17 da CITES.

Também é interessante notar que a Agência de Pesca japonesa não tem regulamentação biológica, não tem quotas de captura e nenhuma provisão para a gestão de recursos criada para os tubarões, de acordo com o relatório da FAO.

A demanda por este remédio mágico (que também está erroneamente sendo alardeado como uma “droga anti-câncer”) é muito evidente e, obviamente, bastante lucrativa. Uma unidade de processamento semelhante na Costa Rica, uma usina de cartilagem de extração de propriedade dos EUA em Puntarenas (Corporación Procesadora Cartilago, SA) exportou 131.275 kg de cartilagem em um ano. Esta planta sozinha usa 235 mil grandes tubarões costeiros por mês para fazer suas pílulas, a maioria das quais são enviadas para os EUA e Europa.

Isto dá uma imagem clara da escala da demanda de sulfato de condroitina e seu efeito óbvio sobre a população mundial de tubarões. Um argumento ridículo que a Agência de Pesca japonesa sempre usa é que “pelo menos eles estão utilizando todas as partes do tubarão!” Isso pode ser verdade, mas essa não é a questão aqui. A questão é a escala industrial em que os tubarões do mundo estão sendo pescados literalmente até a morte … e extinção. Se eles estão sendo completamente utilizados ou não já não é o problema.

Um tubarão morto é um tubarão morto, e um predador a menos para manter o equilíbrio dos ecossistemas dos oceanos.

Foto que mostra onde cada parte do tubarão é utilizada. Foto: Gary Stokes / Sea Shepherd

Captura de tela do Groupon (www.groupon.com)

Resposta do Groupon a Gary Strokes

Resposta do Groupon a Gary Strokes:

Caro Gary,

Agradecemos o seu e-mail e por trazer esta questão para nossa atenção.
Como você sabe, o Groupon é uma organização de responsabilidade mundial, e nós sempre nos esforçamos para apoiar as espécies ameaçadas e espécies em extinção. Devido a isto, decidimos finalizar prematuramente a campanha envolvendo as cápsulas de tubarão. Além disso, no futuro, vamos também nos abster do lançamento de qualquer produto que esteja relacionado com tubarão ou barbatana de tubarão.
Vamos continuar nos comprometendo a sermos uma organização de classe mundial aqui em Hong Kong. Por favor, deixe-me saber se você tem quaisquer outras perguntas.

Atenciosamente,

Jenny Lui
Chefe de Atendimento ao Cliente

Traduzido por Raquel Soldera, voluntária do Instituto Sea Shepherd Brasil